Título: A vez das commodities
Autor:
Fonte: O Globo, 20/03/2008, Economia, p. 25

AMEAÇA GLOBAL

Matérias-primas recuam, derrubam bolsas e afetam ações de empresas brasileiras. Bovespa cai 5%

Uma forte correção nos preços das commodities, refletindo as preocupações persistentes com a desaceleração da economia americana, levou os mercados globais novamente ao vermelho ontem e afetou ações de empresas brasileiras, sobretudo as exportadoras. O ouro, por exemplo, registrou a maior queda diária desde 1980. Movimento similar ocorreu com o petróleo, que não perdia tanto desde 1991. Com desvalorizações nas ações do setor de energia e mineração, o índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, caiu 2,36%, eliminando quase 75% do ganho da véspera. Nasdaq e S&P 500 também caíram mais de 2%. O principal indicador da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), o Ibovespa, operou praticamente em queda livre: abriu em leve alta, mas logo tiveram início as perdas, e acabou fechando em baixa de 5,01%, aos 58.827 pontos. Com o forte movimento de venda das ações, o dólar comercial subiu 1,83%, para R$1,721.

Dada a expectativa de desaceleração dos EUA, com desdobramentos mundiais, aumentou ontem a percepção de que os preços das commodities não poderiam se sustentar em patamares tão elevados quanto os vistos recentemente. A perspectiva de uma demanda global menor por energia fez o barril do petróleo para entrega em abril cair US$4,94, ou 4,51%, para US$104,48, na Bolsa de Mercadorias de Nova York (Nymex). Foi a maior queda diária em dólar desde 17 de janeiro de 1991, quando perdeu US$10,56. Durante o dia, chegou a recuar mais de 6%. Na segunda-feira, a commodity atingiu o recorde de US$111,80.

Petrobras e Vale caem mais de 7%

O ouro para entrega em março perdeu US$58,50 a onça-troy (31,1 gramas), ou 5,8%, para US$944,70. O declínio foi o maior em 28 anos, desde 22 de janeiro de 1980, quando caiu US$143,50. Outras commodities, como soja, café e cobre, também sofreram perdas. A cotação do cobre, por exemplo, recuou 2,8%.

As desvalorizações foram mais intensas no Brasil devido à alta exposição da Bolsa às commodities. Eram elas, com as fortes altas acumuladas no ano, que vinham segurando o mercado. Isso porque o Ibovespa é composto em 40,71% por empresas que negociam commodities direta ou indiretamente, tal como mineradoras, a Petrobras (petróleo) e a agrícola Cosan (açúcar).

As ações da Petrobras e da Vale respondem por 31% do Ibovespa e puxaram as quedas ontem. As preferenciais (PN, sem direito a voto) da estatal caíram 7,40%, e as ordinárias (ON, com voto), 6,90%. Com isso, o valor de mercado da petrolífera recuou R$26,022 bilhões. Já as preferenciais da Vale caíram 7,21% e as ONs, 6,87%, com perda de valor de mercado de R$18,362 bilhões. Os papéis da Cosan também figuraram entre as maiores perdas (-7,41%), com a queda do açúcar no mercado internacional. O recuo no valor de mercado da empresa foi de R$545,096 milhões.

- A compra do Bear Stearns pelo JPMorgan deu sinal amarelo para a realização de lucros nas commodities - disse Patricia Branco, sócia da gestora de fundos Global Equity, referindo-se, no jargão de mercado, ao embolso de ganhos de investidores após as altas acumuladas das commodities.

O movimento acontece um dia depois de os mercados terem ganhos maciços, na esteira de um novo corte do juro básico americano, para 2,25% ao ano, quando os índices de Wall Street tiveram o melhor pregão em mais de cinco anos. Os investidores parecem estar ainda avaliando a eficácia das medidas do Federal Reserve (Fed, o banco central americano). Até agora, os preços das commodities vinham alcançando recordes de alta porque os investidores buscavam proteção contra o dólar fraco.

Em Nova York, o dia começou com notícias favoráveis, como o anúncio do lucro do Morgan Stanley. Apesar de ter caído, o ganho foi melhor que o esperado. Na Europa, a Bolsa de Londres fechou em baixa de 1,1%, e a de Frankfurt recuou 0,5%.

Além do recuo das commodities, no fim da tarde o clima piorou em meio a rumores de que o banco de investimentos Merrill Lynch poderia ter ainda mais baixas contábeis relacionadas à crise de crédito. O temor surgiu a partir de uma ação judicial do Merrill Lynch contra a seguradora de bônus XL Capital.

Felipe Frisch, com agências internacionais