Título: Vida nada fácil das profissionais do sexo
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 23/03/2008, O País, p. 3

Fiscalização e competição com imigrantes do Leste Europeu aumentam problemas

BRASÍLIA. Prostitutas brasileiras encontram cada vez mais dificuldades para ganhar a vida e garantir a permanência no exterior. Estudiosos avaliam que o aperto da fiscalização e a competição acirrada com imigrantes do Leste Europeu têm aumentado as barreiras para mulheres e transexuais que deixam o país em busca dos dólares e euros do mercado internacional do sexo. Embora a prostituição não seja crime nos destinos mais procurados pelas brasileiras, muitas acabam detidas e deportadas por irregularidades como falta de visto e uso de documentos falsos.

- Os clubes de prostituição recebem visitas periódicas da polícia e, entre as mulheres que trabalham nas ruas, é bárbara a quantidade de deportadas - conta a antropóloga Adriana Piscitelli, do Núcleo de Estudos de Gênero da Unicamp.

A presença mais ostensiva da polícia tem acelerado prática comum ao mercado do sexo: o rodízio de mulheres e transexuais pelos redutos da prostituição. Pesquisa do Ministério da Justiça com brasileiros deportados no fim de 2006 mostra que os donos de bares e boates reduziram os limites de permanência das "funcionárias" para driblar as operações de repressão. O depoimento de uma transexual de 40 anos, expulsa pela terceira vez da Itália, mostra a eterna fuga dos agentes de combate à imigração ilegal:

"Na Suíça, eu trabalhava num cabaré... um mês, porque lá é contrato. Você fica um mês, e no outro já tem outra pessoa pra ocupar o seu lugar. A polícia da Suíça é muito rígida. (...) No momento que você entrou ali, já entende que ela vai te pegar..."

Embora os deportados enfrentem longo calvário de constrangimentos e humilhações na volta forçada ao Brasil, a reincidência é comum entre as profissionais do sexo. As mulheres costumam atribuir sua expulsão a deslizes involuntários e acreditam que terão sucesso numa nova tentativa, diz Marina Oliveira, especialista em tráfico de pessoas do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (Unodc). Na segunda vez, o processo é mais sumário, conforme o relato de uma jovem de 29 anos deportada da Espanha:

"Eu trabalhava num clube e estava ilegal. Aí eles pegaram e deram a carta de expulsão. Não sei se é de três em três meses que (a polícia) faz batida nos clubes. Puxaram a minha ficha, viram que eu fui deportada e me deportaram de novo", contou a brasileira.

A pesquisa, feita numa área reservada do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, também mostrou que as deportadas têm medo de admitir a participação no mercado do sexo e, principalmente, o envolvimento com quadrilhas de tráfico humano. Essa é uma das razões pelas quais autoridades e especialistas não encontram estimativas confiáveis sobre o número de brasileiras prostituídas no exterior, explica Dalila Figueiredo, presidente da Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude (Asbrad).

Marina Oliveira, do Unodc, avalia que a superexposição dos casos de exploração sexual criou um ambiente de desconfiança sobre a maioria das jovens que passam desacompanhadas pelos controles de migração de países como Itália e Portugal. Para ela, a recente crise diplomática com a Espanha, detonada pela deportação de dois estudantes de mestrado do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), revelou outra face do problema:

- Quando uma prostituta de origem pobre é deportada, não há repercussão social alguma. O governo e a sociedade só reagem quando isso atinge jovens de classe média.

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