Título: Não condeno quem se prostitui para criar filho. Prostituição é um direito
Autor:
Fonte: O Globo, 23/03/2008, O País, p. 9
Professor de ética vê discriminação a brasileiras e auto-estima em alta
Professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo (USP), onde se doutorou após defender mestrado na Sorbonne, Renato Janine Ribeiro tem se dedicado à análise de temas como a democracia, a cultura política brasileira e o caráter teatral da representação política. Em entrevista ao GLOBO, o filósofo faz uma análise sobre a imagem das brasileiras discriminadas na Espanha, sobre a prostituição e a auto-estima dos brasileiros. Ele faz sugestões sobre como reagir ao preconceito da polícia espanhola, como boicotar visitas ao país, mas adverte que o Brasil não deve se igualar à Espanha, reproduzindo a retenção de turistas nos aeroportos. Ele acredita que as mulheres do país são discriminadas com base em imagens equivocadas: "O fato é que o jeito das brasileiras tem sido alvo de preconceitos. E não dá para culpar as nossas cidadãs".
Soraya Aggege
Qual é o estereótipo atual da mulher brasileira?
RENATO JANINE RIBEIRO: Não sei dizer exatamente, mas com certeza não é o da prostituta. O que tem acontecido com as deportações é localizado. Creio que está relacionado às diferenças de costumes, às formas de se vestir. Agora, a forma como as polícias de fronteira têm se comportado na abordagem das brasileiras é inaceitável.
Houve alguma mudança cultural que explique isso?
JANINE: Parece que a mulher brasileira tem sido marcada, mas não sabemos a duração disso. O fato é que o jeito das brasileiras tem sido alvo de preconceitos. E não dá para culpar as nossas cidadãs.
De modo genérico, o que diferencia a mulher brasileira da européia e da americana?
JANINE: Isso é muito difícil de se avaliar. Talvez em termos de roupas, talvez nossas mulheres sejam mais soltas. Mas há regiões da Europa onde há isso também. A causa não deve ser uma só. O que não dá é para admitir certos preconceitos com base em imagens equivocadas.
Muitas brasileiras vão para a Espanha se prostituir. Pode estar havendo generalização?
JANINE: Muitos vão para outros países em busca de mais dinheiro. O que mais inquieta é que talvez estejam tratando isso como se fosse uma trajetória nossa. Estaríamos de certa forma aceitando essa agressão, assumindo esse preconceito contra nosso povo. Não devemos assumir nenhum papel de culpa, como se tivéssemos um defeito, uma falha ética.
E prostituição é falha ética?
JANINE: Não há regras para o que é a ética. Por exemplo: uma pessoa que se prostitui para ter dinheiro para criar um filho. É lamentável, mas não é possível que seja antiético. Eu não condeno. A prostituição é um direito. Agora, se a pessoa se prostitui e esconde essa informação de quem convive com ela, aí sim está faltando com a ética. É ético a pessoa ser limpa, falar a verdade para quem gosta dela.
Na sua opinião, o que leva brasileiras a irem se prostituir na Espanha, inclusive sendo exploradas por redes, como mostra a novela "Duas caras"?
JANINE: Muitas razões. A primeira é de ordem financeira. Acham que é uma grande chance, que nem sempre é. E tem o sonho de uma carreira na Europa. Na verdade, não vejo chances, mas muitos riscos. Mas as pessoas pensam: por que não? E faltam também certas referências éticas. O sexo se banalizou. A linha entre ter relação sexual com alguém que se gosta ou um desconhecido ficou mais tênue.
E de modo geral, o que leva tantos brasileiros a buscar opções fora com a economia mais estável? Há uma desilusão com o país ou é pura ambição?
JANINE: Não tenho a resposta. Estamos num bom momento econômico. Por outro lado, a aceitação do brasileiro às situações subalternas diminuiu muito. A emprega doméstica, que achava correto ser empregada doméstica, não acha mais. Creio que a aceitação da condição de pobreza pelos pobres mudou.