Título: Metade do dinheiro já foi
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 23/03/2008, Economia, p. 31

AMEAÇA GLOBAL

Em intervenções discretas, BC americano jogou no mercado 50% das reservas

Quando o Federal Reserve (Fed, banco central americano), baixou os juros pela sexta vez em seis meses, para 2,25%, na última terça-feira, na tentativa de conter o pânico que tomava conta do mercado financeiro, muitos se perguntaram o que mais aquela entidade - tida como derradeira tábua de salvação - poderia fazer caso as turbulências continuassem. A resposta, no entanto, já tinha sido dada pelo próprio Fed, sem alarde. Pouco antes da redução dos juros, a instituição injetou dinheiro na praça, o que causou ainda mais calafrios. É que, em operações discretas, o Fed jogou no mercado - na forma de empréstimos a bancos e financeiras em apuros - nada menos que US$400 bilhões, o que equivale a metade das reservas do BC americano.

- O Fed agora está andando com menos da metade do tanque de gasolina. Ele já está ficando sem recursos para esse tipo de medidas - disse Laurence H. Meyer, ex-diretor do Fed, atualmente encarregado de previsões do mercado da Macroeconomic Advisers.

O risco maior reside exatamente aí, já que há a expectativa de que novas grandes firmas serão levadas à bancarrota, como o Bear Stearns na semana passada, e recorrerão à ajuda do Fed. E este, ao se ver sem recursos suficientes para manter a calma nos mercados, poderia ser levado a emitir moeda - alimentando ainda mais a crise, pois a conseqüência imediata seria o aumento da inflação (que em 2007 já chegou a 4,1%, o índice mais alto dos últimos 17 anos).

Fed ainda enfrenta risco de sofrer um calote

Considere-se, ainda, o fato de que o Fed corre o risco de que as firmas que têm recebido os seus bilhões de dólares a título de empréstimo podem vir a dar um calote na instituição, caso essa ajuda não dê o resultado esperado. Isso acarretaria um prejuízo duplo, pois o Departamento do Tesouro deixaria de receber então - como é de praxe - os juros auferidos pelo Fed em seus empréstimos.

O socorro federal fluiu nas primeiras duas semanas do mês. Os primeiros US$200 bilhões foram para bancos. Os outros US$200 bilhões para grandes firmas de investimentos. Ao ser informado sobre o esquema, Steven Pearlstein, colunista do "Washington Post", ironizou:

- A continuar desse jeito, muito em breve você poderá entrar em qualquer agência do Fed e penhorar aquele broche de diamantes que herdou da sua tia.

O economista Nouriel Roubini, da New York University, que há pouco mais de um ano previra o atual desastre, foi mais ferino:

- Estamos nos tornando mestres na arte de socializar o risco e privatizar os lucros.

A questão é que os erros e abusos de investidores vorazes e bancos gananciosos, alguns hoje à beira da falência, começam a ser cobertos por dinheiro dos contribuintes em nome da contenção de turbulências que podem levar o país à uma profunda recessão.

Eles haviam emprestado rios de dinheiro - para bancar hipotecas - a pessoas cuja história de crédito era sofrível, ou até mesmo inexistente, desde que elas se submetessem a pagar juros altíssimos. E tais hipotecas de alto risco (as subprime) foram transformadas em garantia de papéis emitidos por empresas.

As agências federais que monitoram o setor cochilaram. E as agências de avaliação de risco fizeram vistas grossas à situação. Quando os tomadores de empréstimos começaram a dar calote, o valor dos imóveis começou a despencar. O castelo de todos, então, se desmoronou, deflagrando a crise de crédito que se estende agora a outros setores.

Os imóveis hoje valem 10% menos do que um ano atrás, com perspectiva de chegar a uma depreciação de 20% este ano. Calcula-se que cerca de 14 milhões de proprietários passarão a dever mais do que o valor de suas casas.

- O que vemos hoje é que debaixo da aparente estabilidade e prosperidade da economia, as coisas andam terrivelmente ruins e que de repente haverá um preço terrível a pagar. A crença agora é a de que a prosperidade era apenas uma ilusão - disse George Friedman, principal analista da Strategic Forecasting Inc., especializada em questões estratégicas.

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