Título: Fracasso no leilão da Cesp
Autor: D"Ercole, Ronaldo
Fonte: O Globo, 26/03/2008, Economia, p. 27

O NÓ DA ENERGIA

Com incerteza sobre renovação de concessão, empresas não depositaram garantias

Oleilão de privatização da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), que seria realizado hoje na Bovespa, foi cancelado ontem por falta de compradores. Nenhum dos cinco grupos pré-qualificados para a disputa apresentou as garantias financeiras exigidas, forçando o governo paulista a suspender o processo. O cancelamento frustrou os planos do governador José Serra de engordar o caixa do Tesouro estadual em R$6,6 bilhões, valor mínimo fixado para as 132,9 milhões de ações em seu poder.

As ações preferenciais classe B (PNB) da Cesp, mais negociadas na Bovespa, fecharam o dia em queda de 21,09% ontem, acumulando depreciação de mais de 33% em dois dias.

A incerteza sobre a renovação das concessões de duas das principais usinas geradoras da Cesp, Jupiá e Ilha Solteira, que vencem em 2015, foi o principal fator de desistência apontado pelas empresas.

- Os ativos da Cesp são interessantes estrategicamente, e nossa decisão não tem nada a ver com a qualidade desses ativos. O problema é que o preço mínimo definido pelo governo paulista considerou a prorrogação dessas concessões como automáticas, mas elas não são líquidas e certas - resumiu o presidente da Tractebel Energia, Maurício Bahr.

Além da Tractebel, estavam no páreo CPFL, EDP Energias do Brasil, Neoenergia e Alcoa Alumínio. A indefinição sobre as concessões que expiram em 2015 suscitou especulação. Há duas semanas, Serra se reuniu com o presidente Lula para tratar do assunto. Conseguiu do Ministério de Minas e Energia a renovação, por 20 anos, da concessão da usina Porto Primavera, que vencia este ano.

Serra justificou com crise externa

Sobre Jupiá e Ilha Solteira, que respondem por 67% da energia produzida pela Cesp, Serra ouviu apenas que os processos serão analisados no tempo apropriado, já que, naquele ano, vencem também as concessões de outras 14 unidades geradoras, além de 75 mil quilômetros de linhas de transmissão e de 21 distribuidoras de energia.

Pouco depois de saber que nenhum grupo fizera os depósitos, Serra atribuiu o fato ao interesse das empresas em baixar o preço mínimo fixado.

- O que o pessoal queria era um valor menor, mas não vendemos na bacia da almas - disse.

Serra achou na crise internacional outro motivo para o cancelamento do leilão. Ele lembrou que o negócio todo envolveria cerca de R$17 bilhões. Além dos R$6,6 bilhões pelas ações do estado, o comprador teria de desembolsar quantia igual pelas ações dos minoritários e herdaria uma dívida estimada em R$5 bilhões:

- Numa conjuntura internacional ruim, do ponto de vista financeiro a pior dos últimos anos, talvez das últimas décadas, não foi fácil para as empresas interessadas conseguirem bancos dispostos a bancar um financiamento desse tamanho.

O cancelamento foi visto como uma importante vitória pela oposição na Assembléia Legislativa, e pelo sindicatos dos empregados da estatal. Tanto o PT estadual quando o Sindicato dos Energéticos do Estado de São Paulo (Sinergia/CUT) haviam entrado com ações na Justiça contra a privatização da Cesp, questionando a transparência do processo.

- Insistir na privatização foi um erro do governo Serra, que levou a uma derrota política num momento de grande turbulência no PSDB paulista - disse o deputado estadual Simão Pedro, ex-líder do PT.

Diferentemente de Serra, que evitou dar contorno político ao cancelamento, o líder do PSDB na Assembléia, José Antonio Barros Munhoz, viu na decisão do ministro Edison Lobão de tratar das concessões pendentes nos prazos legais, um golpe fatal. Perguntado se o cancelamento era uma derrota política, disse:

- Se você joga com 11 contra 44, e o juiz e os bandeirinhas estão do outro lado, não é uma derrota.

Em comunicado, o governo estadual reiterou que pretendia investir os recursos em obras do metrô, estradas e saneamento.

Astrogildo Fraguglia Quental, diretor financeiro e de Relações com Investidores da Eletrobrás, disse que todas as concessões no país sempre são renovadas:

- Pelo dispositivo legal, deve ser licitado, mas, desde que se justifique, pode ser renovada. Há uma expectativa e gente trabalhando para isso.

COLABORARAM Lino Rodrigues e Bruno Rosa

-------------------------------------------------------------------------------- adicionada no sistema em: 26/03/2008 03:16