Título: Projeto cria figura do menor com antecedentes
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 27/03/2008, O País, p. 13

Na prática, adolescentes condenados por crimes graves deixariam de ser considerados réus primários na fase adulta

BRASÍLIA. Um projeto aprovado ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara endurece a punição para menores infratores que reincidirem no crime após os 18 anos de idade. Na prática, os adolescentes condenados por crimes graves deixarão de ser considerados réus primários, mesmo após terem cumprido a pena disciplinar. Pela proposta do projeto, no momento de fixar a pena-base de um criminoso maior de 18 anos, o juiz poderá determinar mais anos de cadeia se o acusado, quando adolescente, cometeu alguma infração.

Um exemplo: quando menor, um jovem praticou assalto com violência e, por essa razão, foi condenado a medida socioeducativa de internação. Quando adulto, se voltar a cometer crime parecido ou um seqüestro, no momento de estabelecer a pena, o juiz terá de considerar esse antecedente para aplicar pena maior.

O projeto é do líder do PSB na Câmara, Márcio França (SP). Ele argumentou que os adolescentes abusam e cometem diversos crimes por saberem que, ao completar 18 anos, serão considerados réus primários e sem antecedentes criminais.

"Atualmente, muitos adolescentes infratores acreditam que, ao cometerem uma infração, tudo o que fizeram antes de iniciada a maioridade penal será apagado e esquecido de sua vida pregressa, de modo que, atingida a imputabilidade penal aos 18 anos, podem, sem reservas, iniciar a prática de condutas criminosas na condição de réu primário e bons antecedentes", afirmou Márcio França, no projeto.

Na comissão, a proposta sofreu alterações dos deputados Júlio Delgado (PSB-MG) e Flávio Dino (PCdoB-MA), que concordaram com o teor do projeto, mas restringiram a medida a jovens que cometeram crimes graves, com violência.

O governo foi contra a proposta e orientou a sua base a votar pela derrubada do projeto, o que não ocorreu. O Ministério da Justiça elaborou um documento contrário à proposta e que deveria orientar a bancada. Para o ministério, a culpa do menor se esgota com o cumprimento da internação e esse fato não deve ser considerado, mais tarde, como antecedente.

A presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Infância e da Adolescência (Conanda), Carmen de Oliveira, classificou a aprovação do projeto, que ainda irá ao plenário da Câmara, como um retrocesso. O Conanda é vinculado ao Ministério da Justiça:

- Um ato infracional cometido na adolescência não pode ser considerado nem comparado com um delito praticado na fase adulta. A lógica punitiva para o adolescente não ajuda a reduzir a violência juvenil. Pelo contrário. Ao agravar a pena dessa pessoa adulta porque praticou crime quando menor, vai colocá-lo de vez no circuito da marginalidade, cada vez mais estigmatizado e sem chance de reverter sua trajetória de vida.

Contrário ao projeto, o deputado José Genoino (PT-SP) disse que a proposta de Márcio França, na prática, é a introdução no Código Penal da antecipação da idade penal. Júlio Delgado e Flávio Dino discordaram. Dino afirmou que o projeto é um alerta para o adolescente.

- É um recado para que ele não cometa crime violento quando for menor, porque pode pagar mais caro no futuro - disse Flávio Dino.

Até pouco tempo secretário Nacional de Justiça e também de Segurança Pública, ambos cargos do Ministério da Justiça, o deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ) votou a favor do projeto.

- Muitos juízes hoje já levam em conta o passado pregresso do agente no momento de dosar a pena.