Título: Trégua à vista na crise argentina
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 28/03/2008, Economia, p. 31
Presidente pede suspensão da greve e cúpula agropecuária busca diálogo
BUENOS AIRES. Um novo discurso da presidente argentina, Cristina Fernández de Kirchner, abriu ontem a possibilidade de diálogo com as associações de produtores rurais do país, que há mais de duas semanas realizam uma greve que já provocou sérios problemas de abastecimento no país. As palavras da presidente, que condicionou um acordo à suspensão da paralisação, foram bem recebidas pela cúpula do setor agropecuário, que já cogita uma suspensão temporária da greve. No entanto, em várias províncias argentinas, manifestantes criticaram o discurso presidencial e defenderam a continuidade das paralisações e dos bloqueios nas estradas.
Num ato organizado pelo Partido Justicialista e com a presença de organizações sociais aliadas ao governo, como as Mães da Praça de Maio, a presidente afirmou que não discutirá a medida que elevou a alíquota do imposto sobre a exportação de grãos - e que deu origem à crise - enquanto os bloqueios e a paralisação da produção continuarem. Mais uma vez, as palavras de Cristina foram mal recebidas nos bairros de classe média e alta da capital do país, onde muitos voltaram às ruas com suas panelas para protestar. Restaurantes e supermercados estão com estoques baixos de carnes e já há açougues com prateleiras vazias.
Cristina voltou a defender o aumento do tributo pago pelos pecuaristas, alegando que "todos temos de participar do crescimento, porque é a única maneira de erradicar a fome".
- Peço, humildemente, como presidente de todos, que suspendam a greve para, então, poder dialogar - declarou Cristina, que acusou os manifestantes de serem defensores da ditadura militar:
- Parte das panelas eram contra nossa política de direitos humanos. Bastava ver os rostos para ver defensores dos genocidas. Gritavam "não queremos Cuba, Chávez", o que isso tem a ver com os interesses dos produtores rurais? Nada.
Para economista, alíquota de 40% é excessiva
Pouco antes do discurso presidencial, as quatro principais associações de produtores rurais do país divulgaram um comunicado agradecendo o respaldo da população e mostrando-se dispostas ao diálogo: "O que o governo não compreendeu a população inteira entendeu: se continuarem com estas políticas e com o campo parado, o que hoje é uma escassez momentânea vai se transformar em desabastecimento como realidade permanente".
No comunicado, os produtores rurais assumiram o compromisso de suspender a greve, caso no diálogo com o governo "fossem cumpridas as expectativas de nossas bases". Ontem, alguns grevistas permitiram a passagem de ônibus e caminhões em estradas do Norte do país. Economistas criticam o aumento da alíquota do imposto sobre a exportação de grãos:
- Se o objetivo é reduzir os preços no mercado interno, existem outras maneiras. No Brasil, por exemplo, a moeda está mais valorizada - disse Fausto Spotorno, economista chefe do estúdio Orlando Ferreres - Uma alíquota de 40% é muito alta e existem dúvidas sobre o destino dos recursos arrecadados.