Título: Atendimento difícil nas áreas mais atingidas
Autor: Duran, Sergio
Fonte: O Globo, 31/03/2008, Rio, p. 10

Pacientes com sintomas de dengue enfrentam superlotação nos hospitais públicos, onde pediatras faltaram ao plantão

RIO e BRASÍLIA. As vítimas da epidemia de dengue têm enfrentado, além das dores e mal-estar causados pela doença, dificuldades para serem atendidas em unidades públicas de saúde que ficam, justamente, nas áreas mais afetadas pelo Aedes aegypti. Ontem, o Hospital Cardoso Fontes, em Jacarepaguá - região da capital que já registrou 7.537 casos da doença desde janeiro - estava superlotado. Crianças esperavam até cinco horas para conseguirem ser avaliadas por um médico.

De acordo com mães, somente um pediatra estaria atendendo na unidade. Em entrevista à rádio CBN, Vivianne Faustino, que aguardava que seu filho de 4 anos fosse examinado, contou que chegou ao hospital por volta das 9h e, às 14h, ainda não havia conseguido falar com o médico:

- Só tem um médico. A gente fica num estado desesperador. Já saiu mãe lá de dentro chorando por conta de filho morto.

No início da tarde, revoltado com as condições de Robson Leonardo, de 4 anos, que vomitou uma substância similar a sangue na porta do hospital, um homem, desconhecido da família do menino, pegou a criança no colo e invadiu a emergência da unidade, exigindo atendimento. A mãe da criança, Kelly Santos, de 20 anos, chorava muito e disse que já esperava atendimento desde as 7h.

- Eles dizem que estão atendendo os casos mais graves. Se isso não é grave, o que é? - desabafou.

Com postos fechados, UPA fica sobrecarregada

Nas Unidades de Pronto-Atendimento do Estado (UPAs), criadas para complementarem o atendimento dos hospitais estaduais, a situação não era muito diferente. A UPA de Irajá, região que concentra 926 casos de dengue, não tinha pediatras em quantidade suficiente. Muitas mães apelaram para a unidade porque nenhum dos cinco postos municipais do entorno funcionaram no fim de semana, assim como o Hospital municipal Francisco Silva Telles, que tem emergência.

Moradora de Imbariê, Andressa Cristina Tevera se desesperou enquanto tentava atendimento para a filha, Marina Vitória, de 5 anos. Ela foi orientada a procurar outro local:

- Lá dentro, vi o laboratório fechado e não consegui atendimento para a minha filha, que está há quatro dias com muita febre, sem conseguir comer nada. Disseram que não tinha pediatra. Se ela morre, eu faço o quê?

Dos três pediatras previstos para o plantão na UPA de Irajá, apenas um compareceu. Por causa do déficit de pessoal, a unidade fez apenas 72 atendimentos na pediatria, 23 por suspeita de dengue. Na clínica médica foram 178 atendimentos, 61 de suspeita de dengue. A Secretaria estadual de Saúde informou que vai cobrar da unidade o motivo da falta dos médicos.

Ministério vai pedir que postos não fechem

Nos hospitais do município, o domingo também foi de sobrecarga. No Hospital Souza Aguiar, a demora para atendimento era alta. O Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, e o Salgado Filho, no Méier, foram os mais procurados ontem, com média de 400 e 450 atendimentos de suspeitas de dengue, respectivamente. No Lourenço Jorge, o promotor de vendas Mário Bezerra da Silva, de 37 anos, exibia no rosto as marcas da agressão que, segundo ele, sofrera, enquanto lutava para que o filho fosse atendido:

- Quando me disseram que não tinha pediatra, pedi outro médico, mas os seguranças mandaram eu falar baixo e chamaram os PMs. Fui agredido.

O secretário de Vigilância em Saúde substituto do Ministério da Saúde, Fabiano Pimenta, informou que enviará ofício à Prefeitura do Rio hoje, em nome do gabinete de crise da dengue, pedindo que os postos de saúde não deixem de funcionar nos fins de semana e nos feriados, enquanto durar a epidemia.

Ontem à tarde foi enterrada no Cemitério São João Batista a dona-de-casa Cláudia da Silva Corrêa, de 40 anos, mais uma possível vítima da dengue. Ela faleceu de madrugada no Hospital Lourenço Jorge, na Barra. Como a família não autorizou a necropsia, amostras de sangue de Cláudia foram coletadas e serão analisadas na Fiocruz. O resultado, segundo a Secretaria municipal de Saúde, sairá em até 30 dias.

Uma outra morte também pode ter sido causada pela dengue: a de uma jovem de 21 anos, moradora de São João de Meriti. Lourdes Almeida estava internada na Clínica Santa Terezinha, com suspeita do tipo hemorrágico da doença. Ela foi enterrada ontem à tarde no Cemitério de Olinda. Oficialmente, o Estado do Rio já registrou 54 mortes por dengue. Há outras cinco sendo investigadas.

O atendimento às vítimas da dengue pode melhorar hoje, quando as Forças Armadas começam sua participação efetiva na guerra contra o mosquito. A partir das 8h, os hospitais de campanha começam a atender em três pontos da Região Metropolitana. Instalado na sede campestre do Clube da Aeronáutica, na Barra da Tijuca, o hospital de campanha da FAB funcionará 24 horas por dia até o dia 31 de maio, e terá capacidade para atendimento a 400 pessoas por dia. A diferença dessa unidade para as outras é que será a única a ter atendimento direto do público. Tanto o Exército, na Vila Militar, quanto a Marinha, no Corpo de Bombeiros de Nova Iguaçu, só receberão pacientes para reidratação, vindos de outros hospitais.

COLABORARAM André Freitas, Eduardo Maia, Gabriel Mascarenhas e Geralda Doca (Brasília)