Título: Efeito-preguiça do Bolsa preocupa
Autor: Escóssia, Fernanda da; Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 29/03/2008, O País, p. 18

Dados mostram manutenção do nível de ocupação entre beneficiários

CUIABÁ (MT) E RIO. A comparação entre os dados de 2004 e 2006 sobre beneficiários do Bolsa Família revela uma manutenção do nível de ocupação - em dois anos, o índice de 52,1% que se diziam ocupados manteve-se rigorosamente igual. Quando a comparação é feita entre os que não receberam dinheiro de programas sociais, houve um aumento: de 57,7% para 58,6% de ocupação. Evitar uma acomodação dos beneficiários dos programas sociais - o chamado "efeito-preguiça" - é uma preocupação do Ministério do Desenvolvimento Social, diz a secretária Nacional de Renda e Cidadania, Rosani Cunha.

A explicação para a estabilização, diz o IBGE, está na queda do índice entre crianças e adolescentes. A mudança de abordagem em relação aos jovens (o intervalo etário mudou de 2004 para 2006) não permite fazer a comparação fiel. Mas é possível ter uma idéia da redução observando os índices: a taxa de ocupação entre os jovens de 15 a 17 anos era de 38,1% em 2004, e a entre os de 14 a 17 anos era de 26,9% em 2006.

Taxa de ocupação entre as mulheres aumenta

Houve uma queda menos expressiva também entre os homens responsáveis pelas finanças em casas que recebem benefícios: de 87,2% para 86,1%. O percentual, no entanto, aumenta entre as mulheres: de 52,4% para 54,1%.

- Não podemos fazer com que as famílias se acomodem ao receber o benefício. A pesquisa mostra, no entanto, que isso não está acontecendo. A maior queda se dá entre as crianças e adolescentes - afirma Rosani.

A casa de dona Ilda Guimarães de Oliveira, de 50 anos, tem apenas cinco cômodos, que ela divide com mais 11 pessoas - entre filhas e netos - na periferia de Cuiabá (MT). Para se manter, eles têm R$224 mensais de dois benefícios do Bolsa Família. Todos estão desempregados ou vivem de "bico", como a filha Cecília Oliveira, de 28, também beneficiária do programa e mãe de cinco crianças com idades de dois a oito anos. Dona Ilda, as filhas e os netos exemplificam o perfil dos clientes do Bolsa Família em Cuiabá.

- Geralmente são mães solteiras ou separadas. E voltaram a morar com os pais. Quando não estão desempregadas, vivem da ocupação informal - explica a coordenadora do Bolsa Família em Cuiabá, Maria Claudete Orso.

Dona Ilda mora no residencial Sucuri, um conjunto habitacional onde os imóveis têm 32 metros quadrados. Ali, o dinheiro do Bolsa Família é usado integralmente na compra dos bens de primeira necessidade.

- A gente não tem televisão, aparelho de som, ferro de passar roupa, armário... E a cama eu ganhei. Quando recebo o dinheiro, vou direto para o mercado - conta dona Ilda.

Mineira de Belo Horizonte, ela mora em Cuiabá desde 1986. Está desempregada há cerca de cinco anos e diz ter dificuldade para encontrar emprego por causa da idade.

- Já deixei currículo em vários lugares. Mas está difícil conseguir alguma coisa com carteira assinada - diz Ilda, que teve uma filha assassinada recentemente, deixando-lhe quatro crianças pequenas para criar.

A outra filha, Cecília, está desempregada há cerca de um mês. Ela pediu demissão de uma clínica médica onde trabalhou por apenas dois meses. Sem ocupação fixa, agora tenta aumentar a renda fazendo faxina.

- Não deu para continuar no antigo emprego. O salário atrasava. O que salva a gente é o Bolsa Família - diz Cecília, que há dois anos é beneficiária do programa.

Dados da pesquisa do IBGE mostram que em Mato Grosso há 116 mil lares que recebem dinheiro de programa social do governo federal.