Título: Entre os mais pobres, metade não tem bolsas
Autor: Escóssia, Fernanda da; Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 29/03/2008, O País, p. 18

RETRATOS DO BRASIL: IBGE não pesquisou como vivem os pobres que não recebem dinheiro de programas sociais

Pnad mostra que programas de transferência de renda aumentam consumo, mas infra-estrutura está aquém da ideal

Quase metade dos brasileiros mais pobres está excluída dos programas de transferência de renda do governo federal. Uma análise do IBGE com base em dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) mostra que, dos domicílios com renda mensal per capita inferior a 1/4 de salário mínimo, 54,3% recebem dinheiro de programas sociais - o que significa que 45,7% não recebem, o equivalente a 1,87 milhão de famílias que não foram alcançadas pelos programas sociais, mesmo com perfil socioeconômico adequado a ingressar neles.

Os 10 milhões de domicílios beneficiados pelos programas sociais - 18,3% do total de 54,6 milhões de domicílios brasileiros - tiveram, de 2004 a 2006, mais renda, mais consumo, mais água e mais esgoto em suas casas. O percentual de beneficiados aumentou em relação a 2004, quando era de 15,6%.

Os números do IBGE, porém, permitem um alerta: mesmo para os que foram incluídos, há um abismo de atraso em relação ao resto do país quando o assunto é infra-estrutura.

Nos domicílios onde qualquer um dos moradores recebeu dinheiro de qualquer um dos programas sociais, a renda mensal per capita subiu de R$144 para R$172, crescendo 19,4% de 2004 a 2006. O aumento foi maior que o verificado no total da população - cuja renda aumentou de R$524 para R$601, 14,7% - e nos domicílios onde não houve recebimento de dinheiro dos programas sociais - nos quais a renda cresceu de R$598 para R$699, 16,9%.

O aumento de renda entre beneficiários dos programas sociais teve impacto direto no consumo de bens duráveis: as famílias compraram mais fogões, geladeiras, computadores e telefones. Em 2004, nos domicílios onde os moradores recebiam programas sociais, só havia telefones em 34,9%. Em 2006, o percentual pulou para 50,9%.

Indicadores do século passado

Também houve melhora, ainda que pequena, nos serviços de infra-estrutura. Dos domicílios atingidos pelos programas sociais em 2004, 69% tinham água encanada, 42,4% tinham esgoto, 66% tinham coleta de lixo adequada e 92,9% tinham rede elétrica. Em 2006, havia água encanada em 71% dos domicílios incluídos nos programas sociais, esgoto em 46,3% e coleta de lixo em 70,8%. O que chama atenção é que, apesar da significativa melhora, se os beneficiários do Bolsa Família fossem um país, teriam indicadores de acesso a infra-estrutura comparáveis ao do Brasil de muitos anos atrás.

Em números: em 1992, 73,6% dos domicílios brasileiros já tinham acesso a água encanada. Só 14 anos depois o grupo de brasileiros atingidos pelos programas sociais chegou a esse patamar. Em 1995, 65% dos domicílios já possuíam rede de esgoto ou fossa séptica, um patamar acima dos 46,3% dos beneficiários dos programas sociais.

- Se, do ponto de vista econômico, estamos em um momento bastante desenvolvido, do ponto de vista social observamos ainda a presença de indicadores não tão desenvolvidos e, portanto, programas como esse, de transferência de renda, são absolutamente essenciais para pensarmos a redução da desigualdade - diz o presidente do IBGE, Eduardo Nunes.

A secretária Nacional de Renda e Cidadania, Rosani Cunha, diz que é preciso separar o caráter das ações de infra-estrutura, que demandam políticas universalizantes, daquelas com foco específico - que é o caso das de inclusão social. Para ela, o Bolsa Família tenta levar os indicadores dos brasileiros mais pobres aos da média da população. Sobre a falta de acesso ao programa de integrantes do chamado "núcleo duro" da pobreza (os mais pobres entre os pobres), ela afirma que é esse o maior desafio do governo.

Rosani Cunha tenta explicar ainda uma aparente distorção entre o número da pesquisa e os dados do Ministério do Desenvolvimento Social, que aponta como R$11,1 milhões o número de beneficiários do Bolsa Família. Segundo ela, em agosto, quando a pesquisa foi a campo, havia 9,5 milhões recebendo a bolsa. O restante estava inscrito no programa, mas ainda não havia recebido o cartão que dá acesso ao benefício.

Há uma pergunta que a pesquisa do IBGE não responde: como vivem os pobres que não recebem dinheiro de programas sociais? Sobre eles, não há dados disponíveis.