Título: TV, computador e geladeira com o Bolsa Família
Autor: Martin, Isabela; Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 29/03/2008, O País, p. 20

RETRATOS DO BRASIL: Em 2004, 34,9% dos beneficiários tinham telefone, a maioria celular. Em 2006, eram 50,9%

Crescimento no consumo de bens duráveis foi maior entre os que recebem benefício de programas sociais do governo

RIO e FORTALEZA.Em dois anos, 2,1 milhões de aparelhos de TV, 1,8 milhão de geladeiras e 413 mil máquinas de lavar a mais. Esse é um dos saldos da equação que inclui o acesso a programas de transferência de renda do governo e a melhoria de indicadores econômicos. De 2004 para 2006, o poder de compra dos contemplados, especialmente com o Bolsa Família, aumentou e se traduziu em um aquecimento do consumo de bens duráveis.

O maior percentual de crescimento entre os beneficiários dos programas sociais do governo foi no número de telefones, em sua grande maioria celulares: de 34,9% para 50,9%. Entre os que não receberam benefícios, o aumento foi bem menor: de 71,2% para 79,8%. Os indicadores também apontam aumento da quantidade de domicílios com TV entre os que recebem o Bolsa Família - de 82,5% para 87,9%.

O aumento também foi significativo na aquisição de itens como geladeira, que teve crescimento de quatro pontos percentuais e meio (de 72,1% para 76,6%), e máquinas de lavar, que registraram acréscimo de 2,6 pontos percentuais (de 7,6% para 10,2%).

Os dados levam à questão: a opção pela compra de bens duráveis seria uma sinal de que a pobreza extrema foi superada?

Para o presidente do IBGE, Eduardo Pereira Nunes, a análise dos números não pode levar em conta apenas os programas sociais. Ele afirma que o bom desempenho da economia já vinha estimulando o consumo entre os mais pobres.

- A aquisição de alguns bens duráveis já estava se universalizando no país antes do programa. Muitos não são sequer comprados de primeira mão, outros são doados. Não significa dizer que é o dinheiro do programa que está sendo usado para adquirir o bem. Mas, ainda que seja, não há qualquer desvio, porque para viver e ser informada uma família precisa de rádio, de TV, de alimentação, de saneamento, de educação - disse ontem o presidente do IBGE, Eduardo Pereira Nunes.

199 mil novos computadores

Em todos os bens de consumo, o crescimento foi maior entre os beneficiários de programas sociais do que entre os que não receberam benefícios. A exceção foram os microcomputadores. Entre os que recebiam o benefício, os domicílios com microcomputador passaram de 1,4%, em 2004, para 3,1%, em 2006 - o que significou novos 199 mil computadores. Entre os que não recebiam, de 19,2% para 26,4%.

Para a economista da USP de Ribeirão Preto Elaine Toldo Pazelli, que desenvolve pesquisas sobre o desempenho do Bolsa Família e dos projetos de distribuição de renda no Brasil, o fato de os beneficiados pelo programa terem passado a comprar eletrodomésticos não é uma distorção do uso do dinheiro:

- Primeiro, é difícil dizer o que é supérfluo para uma família. Uma geladeira é um bem supérfluo? Depois, há outros fatores de facilitação de compra, como o crédito consignado para os aposentados.

A opinião é a mesma da secretária Nacional de Renda e Cidadania, Rosani Cunha. Ela lembra que a criação de empregos também ajuda a melhorar o poder de compra dos mais pobres.

- Elas conseguem pegar crédito. Assim, além de alimentos e roupas, conseguem guardar recursos para comprar geladeira, fogão. Isso é bastante saudável. O programa dá autonomia para o beneficiado alocar os recursos. Há um preconceito e uma postura autoritária e desqualificadora quando se critica que as famílias comprem algo que não seja para comer - diz Rosani.

Para Rosa Renata Gonçalves dos Santos, de 36 anos, moradora de Fortaleza, o Bolsa Família ajudou a realizar um sonho de consumo e a incrementar seu pequeno negócio. Em dezembro passado, comprou o primeiro celular da casa. Além de novo, traz vários opcionais como câmara, tocador de MP3 e bluetooth (tecnologia que permite transmissão de dados entre computadores). O celular foi dado como presente à sua filha, Assuélida Renata Gonçalves do Nascimento, de 16 anos.

- Fiquei feliz quando comprei. Realizei um sonho de consumo - diz a mãe.

Rosa está desempregada, mas encontra sempre um jeito de ganhar dinheiro: fazendo salgadinhos e bolos confeitados sob encomenda, decorando festinhas de aniversário ou preparando jantar na casa das amigas em dias de comemoração. Fazendo uma coisa e outra, consegue apurar cerca de R$300 quando o mês é bom.

Certo mesmo, ela tem o dinheiro do Bolsa Família. Começou recebendo menos de R$50 pela filha, quando os benefícios eram desmembrados em bolsa escola e vale-gás. Com a inscrição do caçula, Wandeberg Barros do Nascimento, de 8 anos, o valor subiu para R$95 no início do ano passado. Seu ex-marido também contribui com uma pensão de R$100.

Foram pagas até agora três das nove prestações do celular, de R$40 cada.

- Agora ficou mais fácil falar com meus filhos quando saio de casa, e dou o número do celular para contato dos clientes - afirma Rosa.

A dona-de-casa tem vontade de comprar um computador para ajudar nas tarefas escolares dos filhos. Por enquanto, não tem dinheiro para isso. Garante, no entanto, que vai economizar.