Título: Olho no foco
Autor: Magalhães, Luiz Ernesto; Machado, Vitor
Fonte: O Globo, 29/03/2008, Rio, p. 23

O "AEDES" ATACA

Dos mais recorrentes aos mais insuspeitos, cidade está cheia de criadouros

Os criadouros de Aedes aegypti podem estar em qualquer lugar, aproveitando a negligência tanto do poder público quanto do cidadão comum - como O GLOBO mostra a partir de hoje numa nova seção, "Olho no foco", juntando flagrantes feitos por jornalistas e enviados por leitores. Alguns dos focos são bastantes visíveis, como depósitos de carros velhos ou pneus abandonados e caixas d"água sem tampa. Mas o mosquito da dengue, que já deixou pelo menos 31.288 pessoas doentes e 54 mortas só na capital - mais 1.399 casos foram notificados ontem pela Secretaria municipal de Saúde - consegue se reproduzir nos locais mais insuspeitos. Vasos sanitários com pouco uso, bandejas que acumulam água de degelo de geladeiras, fossos de elevadores e até mesmo cascas de ovo ou aquelas latinhas jogadas fora com um restinho de cerveja ou refrigerante são focos potenciais. O alerta é do entomologista Anthony Érico Guimarães, da Fiocruz.

Poças, só as imóveis

O entomologista explica que o Aedes precisa de oito a dez dias para concluir o ciclo completo ovo-larva-inseto adulto. Isso exige que a água não seja movimentada no período:

- As pessoas se preocupam demais com poças de chuva. Só que, quando alguém pisa ou o carro passa em cima, essa água deixa de ser um foco. Sem contar que ela pode evaporar antes de a larva virar mosquito.

Segundo Anthony, em situações excepcionais o mosquito até pode se reproduzir em água suja. Mas sempre dará preferência a fontes de água limpa mais próximas. Que pode ser até mesmo o fundo de garrafas de vidro colados no alto de muros.

Por toda a cidade, os exemplos de focos se multiplicam. Seis anos após a epidemia de 2002, dezenas de pneus e carcaças de carros continuam amontoados num terreno da Polícia Civil na Caju, ao lado do Centro de Tratamento de Resíduos da Comlurb. Os veículos acumulam água de chuva há anos. Alguns estão completamente enferrujados. O descaso deixa os moradores da região preocupados.

- Na rua onde moro há seis pessoas com dengue. Esses pneus estão no mesmo lugar há anos e nenhuma providência é tomada - disse a dona-de-casa Sônia Santos.

Os moradores do Caju reclamam ainda de um caminhão abandonado na Rua Carlos Seidl. A carcaça do veículo também serve de depósito de pneus velhos. A rua também tem muitos pontos de entulho.

- Passo por esta rua todos os dias. A ironia é que o entulho está ao lado da Comlurb. Será que ninguém enxerga a situação? - protestou o auxiliar de serviços gerais Giovani da Silva Oliveira.

Por meio de suas assessorias, a secretaria municipal de Saúde e a Comlurb informaram que vão enviar equipes ao Caju para checar a situação. O titular da Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA) Ronaldo Oliveira garantiu que toda semana é feita uma vistoria nos carros deixados no terreno. Ele disse ainda que pediu à prefeitura que retire o matagal que toma conta da área.

A obra inacabada de um prédio em plena Avenida das Américas, numa das áreas mais valorizadas da Barra, também está cheia de pneus abandonados e água acumulada. A obra seria da construtora Sersan, do ex-deputado federal Sérgio Naya. A advogada Elen Lázaro, que mora perto do local, reclama da falta de fiscalização por parte do município:

- A prefeitura é omissa. Sabe desse prédio abandonado há anos e não toma qualquer atitude.

No centro da cidade, um campo de futebol, próximo ao Elevado São Sebastião, que dá acesso ao Túnel Santa Barbara, está alagado. Para piorar a situação, parte da cerca em volta do local foi arrancada, e os buracos onde os canos que sustentavam a estrutura estavam fincados também acumulam água de chuva. O campo está totalmente sem uso.

Agente deixa latinha

Segundo moradores, um carro da prefeitura esteve ontem no local. Eles contam que havia quatro funcionários dentro do veículo, mas apenas um desceu para conferir o possível foco de mosquito da dengue. Mas, em vez de jogar biolarvicida, o agente despejou um produto identificado por testemunhas como creolina. A lata na qual o produto estava armazenado foi abandonada no meio do campo.

A Secretaria municipal de Saúde informou que creolina não é indicada no controle do vetor. O que é usado em certos casos é a água sanitária. Quanto à lata abandonada, a secretaria prometeu apurar se foi realmente deixada por um agente da prefeitura.