Título: Farc isolaram vilarejo para ex-senadora receber tratamento médico emergencial
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Fonte: O Globo, 29/03/2008, O Mundo, p. 53

Operação envolveu entre 200 e 300 guerrilheiros. Foi a 4ª vez que Ingrid foi levada à região

BOGOTÁ. As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) fizeram uma grande operação paralela à libertação dos quatro últimos reféns soltos para garantir tratamento médico emergencial à ex-senadora Ingrid Betancourt, no fim de fevereiro. Entre 200 e 300 guerrilheiros foram mobilizados para aproveitar o acordo com o governo de que não fossem realizadas atividades militares. Eles isolaram um vilarejo inteiro do restante do país para levar a ex-candidata presidencial seqüestrada a um local onde ela recebeu cuidados básicos de um enfermeiro. Esta teria sido a quarta vez em que ela foi levada para a região a fim de receber tratamento médico improvisado.

Testemunhas revelaram que o estado de saúde dela é "extremamente grave", segundo relatou o presidente da Conferência Episcopal Colombiana, monsenhor Luis Augusto Castro, citando "fontes muito confiáveis".

- Ingrid perdeu a vontade de viver - resumiu ontem o padre Manuel Mancera, pároco da região para onde ela foi levada, citando relatos de camponeses que estiveram com Ingrid entre os dias 25 e 27 de fevereiro. - Ela não quer falar com ninguém, não quer continuar comendo, chora muito, não quer saber de nada deste mundo, está muito magra.

De acordo com o jornal colombiano "Hoy", no fim da tarde de 25 de fevereiro, um grupo de guerrilheiros das Farc cercou El Capricho, um distrito de San José del Guaviare, capital do departamento de Guaviare. A área fica numa região de selva densa e menos de mil pessoas vivem ali normalmente - a localidade tem a população multiplicada em quase dez vezes na época em que toneladas de cocaína negociadas pela guerrilha são vendidas ali. As centenas de pessoas foram isoladas do país sob a mira de armas.

O cerco foi feito no início do período de interrupção das operações antiguerrilha do Exército para possibilitar a libertação dos ex-congressistas Luis Eladio Pérez, Jorge Eduardo Géchem, Orlando Beltrán e Gloria Polanco, que seriam entregues à Cruz Vermelha dois dias depois, em 27 de fevereiro. O local fica a apenas 45 minutos de uma pista das Forças Armadas colombianas, que estavam, no entanto, acantonadas à espera da libertação dos seqüestrados.

"Padre, ore por nós e por Ingrid, porque ela está muito mal"

Os guerrilheiros impediram que quem estava no distrito deixasse o local. Todos os rádios, única forma de comunicação dos habitantes da área, também foram desligados. Durante os dois dias seguintes, os moradores ficaram completamente isolados do restante do mundo.

Ingrid Betancourt foi escoltada até o local no início da tarde do dia 27. Ela foi levada por cerca de 20 guerrilheiros até o posto de saúde do distrito, onde foi atendida por um enfermeiro. Segundo relatos de testemunhas, não apenas o enfermeiro demonstrou grande preocupação com o estado de saúde da ex-senadora. Alguns guerrilheiros também pareciam aflitos.

O padre Mancera descreveu, à Rádio Caracol, que nesse mesmo dia um homem se aproximou dele durante a missa e pediu: "Padre, por favor reze por Ingrid." O sacerdote disse que não entendeu imediatamente que se tratava de um guerrilheiro, e continuou a cerimônia. Após o fim, foi conversar com o homem, que disse para ele:

- Padre, ore por nós e ore por Ingrid, porque ela está muito mal. Só lhe digo que está muito mal.

Afirmando não ter condições de realizar um tratamento adequado para a hepatite B de Ingrid com o material disponível, o enfermeiro solicitou mais equipamento. Os guerrilheiros responderam que nos postos de saúde da área não havia pessoal ou material necessário, demonstrando já terem estado em outros locais em busca de auxílio médico para ela.

Assim que o enfermeiro, que não teve o nome revelado pelo "Hoy", terminou seu tratamento improvisado, Ingrid Betancourt foi levada para o interior da selva pelos seqüestradores.

De acordo com relatos dos moradores, esta foi a quarta vez que Ingrid foi levada para receber tratamento médico do enfermeiro de plantão no posto de saúde de Capricho.