Título: Mãe do PAC enfrenta sua prova de fogo
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 30/03/2008, O País, p. 3

Escândalo é primeiro obstáculo de Dilma após surgir como preferida de Lula à sucessão

BRASÍLIA. Principal auxiliar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu nome preferido, no momento, para a sucessão presidencial de 2010, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, passa pelo seu primeiro e mais duro teste, sua prova de fogo. Esta semana será decisiva para o seu futuro. Há uma grande expectativa para saber se a ministra conseguirá neutralizar, num curto espaço de tempo, a denúncia de que a segunda na hierarquia da Casa Civil, a secretária-executiva Erenice Guerra, foi a responsável pela elaboração de um dossiê com gastos secretos do governo Fernando Henrique Cardoso.

Se Dilma conseguir superar os ataques nos próximos dias, terá dado um passo importante para se manter no páreo como potencial candidata à sucessão do presidente Lula. Caso contrário, sua situação no governo passa a ficar complicada, como ocorreu em 2005 com o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, e em 2006, quando o ministro Antonio Palocci caiu após se envolver no escândalo da quebra do sigilo do caseiro Francenildo Costa. Se não conseguir salvar Dilma, Lula estará perdendo o terceiro presidenciável do PT em seis anos de governo.

Fogo amigo também preocupa

Em viagem pelo Nordeste na última sexta-feira, Lula confidenciou a interlocutores que Dilma havia se tornado alvo não só da oposição, mas também dos aliados. Lula acredita que há uma ação generalizada para que fique sem uma alternativa forte para a eleição de 2010. Antes mesmo do episódio do suposto dossiê antitucano, o presidente já havia detectado movimentos dentro do próprio PT para queimar o nome da chefe da Casa Civil. Essa reação cresceu a partir do momento em que Lula deixou de esconder sua preferência pela candidatura de Dilma.

- Dilma transformou-se em alvo depois que virou uma forte possibilidade para 2010 - acredita a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC).

No núcleo do Palácio do Planalto, acendeu-se a luz amarela. Todo esforço nos próximos dias será no sentido de impedir que Dilma e assessores da Casa Civil sejam convocados pela CPI do Cartão Corporativo. A ordem é evitar isso a qualquer custo. O vazamento de dados sigilosos da Presidência fez ressurgir o fantasma do episódio da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, em 2006.

Mas, além da ação pública para enfrentar a oposição, os operadores políticos do presidente, e ele mesmo, estão preocupados com os golpes internos. Na semana passada, foi a própria Dilma que passou a considerar o que chamou de "fogo amigo" no caso do dossiê. Na Casa Civil e no terceiro andar do Planalto, onde fica Lula, a percepção é que ministros petistas estão incomodados com a ascensão de Dilma, que só na semana passada passou três dias ao lado de Lula nos palanques do PAC no Nordeste e estreou nos discursos políticos.

Uma espécie de campanha surda de petistas contra Dilma - no partido e na militância - une pessoas de várias tendências adversárias no PT. A ministra recebeu o primeiro recado nessa direção nas prévias em Porto Alegre, quando fez campanha pesada em favor da candidatura do ex-ministro do Desenvolvimento Agrário Miguel Rossetto, mas foi derrotada com a vitória apertada da deputada Maria do Rosário (RS), da tendência Movimento PT.

- Dilma nunca foi uma liderança expressiva no partido. Tanto que não influenciou em Porto Alegre. Até recentemente, ela não era do PT. Sua origem é o PDT. Ela é uma boa técnica, mas não tem força política - disse o deputado estadual Raul Pont, da tendência Democracia Socialista.

São poucos os petistas que expõem publicamente as críticas a Dilma, mas Pont explicitou um dos pontos mais criticados pelos companheiros: ela não tem militância histórica no partido, onde chegou apenas em 1999, e nunca se esforçou para fazer política partidária. É apontada como uma técnica inábil politicamente e de temperamento difícil. Nesses cinco anos, ela tem feito desafetos poderosos pelos mais diversos motivos. O grupo da ministra Marta Suplicy não esconde o incômodo com a tentativa de Lula de efetivá-la tão precocemente como o nome preferencial à sua sucessão.

- Ao colocar o nome de Dilma, o presidente Lula quer impedir que outras candidaturas ganhem vôo próprio, e tirar da jogada nomes como o de Marta (Suplicy), Patrus (Ananias), (Jaques) Wagner e Ciro (Gomes). Esses sim têm sustentação política. A Dilma não tem vôo próprio. Se o Lula tirar o apoio de Dilma, ela some no outro dia. Ela não tem sustentação política nem base no PT. Essa é a realidade. Quero saber quem do PT apóia a Dilma - afirma o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), do grupo de Marta, um dos poucos do partido a verbalizar claramente a reação petista ao nome da ministra.

Bambolê de presente para treinar jogo de cintura

Setores do PT listam vários episódios constrangedores envolvendo a ministra. O principal deles foi a disputa pública com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em dezembro de 2006. Na ocasião, Dilma cobrou publicamente de Marina agilidade na liberação de licenças ambientais para a construção de hidrelétricas. Petistas avaliam que Dilma não teve qualquer cuidado em preservar Marina, considerada a principal referência ambiental e pessoa muito querida no partido.

Mas, além do PT, aliados também reclamam da ministra. Recentemente, durante a disputa pelo controle das estatais do setor elétrico, o líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), chegou a dar de presente à ministra um bambolê, como uma forma irônica de pedir jogo de cintura a Dilma. A reclamação é que ela não recebe políticos e não retorna telefonemas, tendo trombado até com o senador José Sarney.

- A Dilma tem um poder técnico, que é periférico, pois depende do Lula. Mas ela não tem poder político. Se ela tem hoje essa dificuldade com a base, imagine se chegar à Presidência da República. Todo mundo está de olho nisso. Não se governa apenas com modelo administrativo. É preciso o ingrediente político. Ela não fala com o Congresso, não retorna ligação e tem forte rejeição na base aliada. Se o presidente Lula não estiver tão forte em 2010, como agora, ela está fora da disputa - dizia o líder do PR, deputado Luciano Castro (RR), poucas horas antes de Dilma aparecer como personagem do novo escândalo do governo.