Título: Calote é maior na classe C
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 30/03/2008, Economia, p. 34

Atraso nas prestações em geral é menor que no início do Plano Real

Apesar de a inadimplência estar sob controle, pessoas de classes sociais menos favorecidas, que antes não tinham acesso a crédito, são as que mais têm prestações em atraso, segundo estudo inédito feito pela Fecomércio-RJ e pelo instituto Ipsos. Com o parcelamento prolongado e as diversas modalidade de financiamento, 16% das pessoas que compõem a classe C estão com contas atrasadas. Entre as famílias das classes D e E, o índice é de 15%. Já entre os mais abastados, o calote é menor: de 7%. O estudo considera qualquer prazo de atraso.

No orçamento dos mais pobres, a maior razão dos atrasos são os parcelamentos feitos por meio de carnê, que concentram 69% dos calotes, seguidos do cartão de crédito, com 14%. Segundo o levantamento, as pessoas com idade entre 35 e 44 anos são as mais endividadas. Desse grupo, 20% não estão com as finanças em dia.

O vigia Vadelci Pereira da Silva, de 35 anos, endossa os dados da pesquisa. Depois de tentar negociar com bancos e lojas de varejo, sem sucesso, ele procurou a Defensoria Pública no ano passado, para tentar se livrar de uma dívida superior a R$9 mil. Como perdeu um dos empregos, sua condição financeira piorou bastante.

- Só consegui entrar em acordo depois que fui à Defensoria. Hoje, estou tranqüilo. Minha dívida passou para R$1.300. Ainda estou pagando, mas estou em dia - diz Valdeci, cuja renda familiar é pouco superior a mil reais por mês.

Para Christian Travassos, economista da Fecomércio-RJ, com mais estabilidade, as pessoas conseguem se programar e pagar suas prestações:

- O brasileiro está mais consciente. Hoje, cerca de 80% dos consumidores pesquisam preços antes de entrar em um financiamento e 67% levantam as diferentes taxas de juros.

O volume de crédito em relação ao Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país) subiu de 30,9%, em fevereiro de 2007, para 34,9%, no mês passado. Segundo o Banco Central (BC), a inadimplência entre as pessoas físicas recuou de 7,3% para 7,1% no mesmo período (considerando atrasos a partir de 90 dias). Para economistas, o calote caiu porque houve avanço do rendimento real e do nível de emprego.

Segundo Miguel de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), o calote no Brasil hoje é bem menor do que no início do Plano Real, quando o índice era de 15%. Este ano, o endividamento consome 25% da renda.

- Em 1994, o brasileiro não sabia administrar as compras parceladas, e os bancos não sabiam emprestar. Hoje, o problema é que, como nunca tivemos crédito em abundância, não estamos acostumados. Mas o Brasil está evoluindo. Um sinal disso é que os brasileiros estão mais conscientes, pagando dívidas mais caras com outros financiamentos a juros menores - ressalta Oliveira.

Segundo a pesquisa da Fecomércio-RJ, 17% das mulheres não estão em dia com as contas, contra 12% entre os homens. A dívida da aposentada Edna de Souza Santa Clara começou em 2000, quando a loja que mantinha com o marido foi à falência.

- Tinha de pegar empréstimos para pagar as dívidas. Chegou uma época em que tudo estava tão fora do controle que eu rasgava as contas quando elas chegavam em casa. Tive de vender um apartamento para quitar todas as dívidas. Hoje falta apenas uma, que é descontada em folha - lembra.

Serasa e o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) também têm registrado queda na inadimplência. Marcela Oliboni, coordenadora do núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública, atende a 175 pessoas por dia, que procuram o órgão para refinanciar suas dívidas.

- Com os juros menores, o crédito ficou mais atrativo. Por isso, muitas pessoas foram às compras e estão com a corda no pescoço - afirma Marcela.

Por outro lado, os bancos e as redes de varejo também vêm investindo em ferramentas para analisar o risco do cliente. Segundo Marcelo Kekligian, vice-presidente da Equifax, empresa que desenvolve sistemas, houve alta de 30% na procura por esses serviços só este ano:

- Há uma tendência mundial de aumento da inadimplência. A crise nas hipotecas de alto risco dos EUA é um exemplo. No Brasil, a entrada da baixa renda é motivo de preocupação. Por isso, o mercado quer modelos que permitem avaliar se o cliente será um bom ou mau pagador no futuro.