Título: Biodiesel em alta e o preço do sabonete... também
Autor: Rosa, Bruno
Fonte: O Globo, 30/03/2008, Economia, p. 37
Com o aumento da produção do combustível, dobra o preço do sebo bovino, que é insumo no preparo de sabão
A maior produção de biodiesel no Brasil está aumentando os preços do... sabonete e do sabão em barra. E as vendas já estão em queda no país. É que a principal matéria-prima dos artigos de higiene, o sebo bovino, mais que dobrou de preço no ano passado. Com a utilização da gordura na produção do biodiesel, a cotação do quilo do sebo vendido pelos frigoríficos passou de R$1, em março do ano passado, para R$2,50 este mês, de acordo com levantamento da consultoria Safras&Mercados. O avanço foi mais forte no segundo semestre do ano passado, quando o valor do componente subiu 80%, impulsionado pela maior produção do diesel e pela crise financeira nos mercados globais.
De acordo com o analista de biocombustíveis da Safras & Mercados, Miguel Biegai Júnior, a alta no preço da soja no mercado internacional - acompanhando a subida de outras commodities - tornou inviável o uso do óleo de soja na produção do biodiesel. Por isso, as empresas começaram a utilizar o sebo como alternativa.
- Com os 2% de biodiesel que são misturados ao diesel, são consumidos cerca de 800 milhões de litros por ano. Com a alíquota subindo para 3%, que começa a valer em julho deste ano por determinação da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o mercado vai consumir cerca de 1,2 bilhão de litros de biodiesel por ano. Dessa forma, o preço do sebo vai continuar em alta - diz Biegai.
Para Antônio Camardeli, diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), o preço do sebo bovino deve se manter no atual patamar, pois, com a demanda em alta devido à produção de biocombustível no país, o mercado ainda tenta encontrar um ponto de equilíbrio.
Leite de Rosas limitou alta em produtos a 4%
O sebo bovino responde por entre 60% e 65% do preço final dos sabonetes - presentes em 99% dos lares brasileiros, diz a Nielsen Brasil. Em 2007, o faturamento do mercado de sabonetes subiu 2,5% no país, alcançando R$1,9 bilhão. Por outro lado, as vendas, em volume, caíram 1,9%, para 199,3 mil toneladas. Para Elisson Dias, gerente de marketing da Unilever, que detém 33,3% de participação no mercado e é dona das marcas Lux e Vinólia, parte do aumento das receitas do setor foi puxada pela alta nos preços.
Segundo Dias, uma parcela da alta no preço da gordura teve de ser repassada aos consumidores já no ano passado. A companhia tem ainda a marca Dove, que usa componentes sintéticos.
- O aumento no preço já se refletiu na alta do faturamento do mercado em 2007. Como somos líderes, não repassamos todo o aumento do sebo ao consumidor porque temos de manter a competitividade. Por isso, tivemos de desenvolver processos mais eficientes e renegociar com fornecedores - diz.
A Leite de Rosas conseguiu limitar o reajuste do preço de seus sabonetes a 4%, aplicado em janeiro, porque tinha uma margem a queimar. Foi resultado de uma negociação para trazer o fabricante de seus sabonetes de São Paulo para o Rio. Segundo o presidente da Leite de Rosas, Patrick Mascarenhas, o preço do quilo da massa básica do sabonete (que tem 93% de sebo e 7% de óleo de babaçu) subiu de R$1,69 em março de 2007 para R$2,42 hoje, uma alta de 43%. No caso da Leite de Rosas, a massa básica representa 60% do custo do sabonete, fatia que chega a 85% em sabões mais populares.
- O mercado já está repassando o aumento. Alguns integralmente, outros parcelando - diz Mascarenhas.
A Razzo - que fabrica os sabonetes da Johnson & Johnson e é dona da marca Livy e do sabão em barra Razzo - está preocupada com o futuro do segmento. Para Gustavo Razzo, diretor-operacional da empresa, a alta no preço do sebo no ano passado terá mais impacto para o consumidor este ano. Em alguns produtos, continua, já houve aumento de 20% no preço ao consumidor no fim do ano passado. Em 2007, o segmento de sabão em barra já sofreu uma queda de 7% nas vendas.
- Toda a alta ainda não foi repassada. O problema é que grande parte dos óleos vegetais, como palma e babaçu, tiveram aumento de 30% no ano passado. Todos estão enfrentando uma série de dificuldades. Estamos avaliando outras gorduras animais, pois o Brasil não é auto-suficiente em óleo vegetal - diz Razzo.
O Grupo GR, dono das marcas de sabão em barra Biobrilho, Barra, Bico e Astra, com cerca de 35% de participação no mercado do Rio, já teve de aumentar os preços duas vezes em dois meses. Há um mês, a alta foi de 15%. Agora, os valores sofreram novo reajuste, de 5%. Para Bolivar Pereira, gerente regional do Rio, apenas parte do avanço no sebo já foi repassada aos clientes:
- Não podemos repassar tudo, pois, caso contrário, nosso cliente, que tem baixo poder aquisitivo, não compra. Em alguns itens, como o sabão mais nobre com aroma neutro, o sebo chega a responder por 70% do custo. Com o aumento no preço, as vendas chegam a cair entre 1% e 2% no mês. Estamos pensando em alternativas.
A auxiliar de serviços gerais Maria da Conceição, que compra entre três e quatro sabonetes por semana, viu o valor do produto passar de R$0,48 para R$0,55 em semanas:
- Para não deixar de comprar, porque é um produto básico, tive de trocar por uma marca mais barata.
De acordo com IBGE, o sabonete registrou alta de 3,34% no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), contra 6,7% do sabão em barra em 2007. No ano passado, o IPCA ficou em 4,46%. Já no INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor, que registra a inflação para as classes sociais menos favorecidas) o sabonete subiu 3,24% e o sabão em barra, 6,09%, contra uma inflação geral de 5,16%.
Base vegetal deve ganhar força na indústria
Flavia Carro, gerente de marca da Bertin Higiene e Beleza, diz que o frigorífico - dono das marcas Francis, Ox, Hydrata e Phytoderm que, juntas, têm 16% do mercado de sabonetes - ainda estuda o repasse de preços ao consumidor.
Para Christopher Freeman, presidente da Granado, deve ganhar força na indústria a troca da base animal pela vegetal - como a glicerina - na preparação da massa de sabonetes. O aumento na produção de biodiesel gera uma sobra de glicerina e por isso o preço está em queda. Segundo o executivo, os preços dos óleos vegetais e do sebo bovino estão um pouco mais próximos. Por isso, continua, algumas empresas pensam em mudar a matéria-prima:
Fábio Gomes, gerente de cremes e loções do Boticário, ressalta que os itens à base vegetal ainda são cerca de 40% mais caros do que os à base animal. Segundo ele, sabonetes feitos a partir de óleos de plantas respondem por 15% do mercado.
COLABOROU Maria Fernanda Delmas