Título: Dalai Lama acusa China de fabricar imagens
Autor: Costa, Florência
Fonte: O Globo, 30/03/2008, O Mundo, p. 41

Segundo líder budista tibetano, Pequim teria vestido soldados como monges para fotos sobre violência no Tibete

NOVA DÉLHI. Dois dias depois de advertir Pequim de que ¿mentiras não convencem no século XXI¿, o Dalai Lama disse ontem que o governo chinês armou uma cena falsa com soldados chineses vestidos como monges tibetanos para distribuir para a mídia internacional através das agências oficiais de noticias chinesas.

¿ Eles (soldados) se vestiram de monges. Para um leigo pareciam monges tibetanos. Mas as espadas que eles usavam não eram tibetanas, eram chinesas. Recebemos notícias de que soldados chineses receberam roupas de monges ¿ informou numa entrevista coletiva na capital indiana.

Ao sair da sala onde deu a entrevista, o Dalai Lama parou diante de um jornalista da agência de noticias do governo chinês, a Xinhua, e disse:

¿ Reproduza fielmente o que eu falei ¿ pediu, deu um passo, para depois voltar e completar: ¿ Mas eu sei que você não tem liberdade¿

Foi a Xinhua que divulgou a foto à qual o Dalai Lama se referia. Nela aparece um manifestante segurando uma espada ¿ e que mais tarde reconhecido como um policial por uma chinesa que não quis se identificar e que deixou o Tibete. O jornal ¿The New York Times¿ publicou no dia 14 depoimentos de estrangeiros e moradores de Lhasa surpresos diante do sumiço ou da inércia da polícia em determinados protestos. Monges budistas também afirmaram ao jornal americano que estranharam quando viram pessoas vestidas de monges tibetanos preocupadas em filmar e fotografar certas cenas.

Aos 72 anos, o líder espiritual e político dos seis milhões de tibetanos avisou que quer se preparar para ¿a próxima vida¿ e, por isso, quer se aposentar completamente de seu papel político e passar o bastão para um jovem líder:

¿ Eu já estou semi-aposentado. É possível que dentro de algum tempo eu me retire totalmente, voluntariamente e com felicidade.

Como um simples monge, com a túnica vinho e o manto amarelo, ele chegou de manhã no Rajghat, mausoléu dedicado a Mahatma Gandhi, onde o pacifista foi cremado. Ali, o Dalai Lama prestou uma homenagem a Gandhi, assassinado há exatos 60 anos e que pregava a convivência harmoniosa entre muçulmanos e hindus.

Líder religioso compara Dalai Lama a Gandhi

Ontem não havia animosidade entre os líderes das principais religiões da Índia, que reverenciavam o Dalai Lama com presentes simbolizando a sorte em suas respectivas religiões. Se havia disputa, era para sentar mais próximo do budista, que acabou saindo com uma marca hindu vermelha na testa (a auspiciosa ¿Tikha¿), e também uma fita vermelha no pulso direito. Os sikhs ¿ membros da religião à qual pertence também o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh ¿ o enfeitaram com uma grande coroa de flores. Um guru hindu pendurou ainda em seu pescoço um grande rosário de contas.

Diante da chama acesa e do memorial em mármore de Ghandi, estavam hindus vestidos de laranja, muçulmanos de branco, católicos de roxo, sikhs com turbantes pretos e azuis e monjais jains de branco com suas tradicionais máscaras na boca (usadas para mostrar que evitam matar criaturas até quando respiram).

No final, o Dalai Lama não conseguiu disfarçar seu desconforto quando os sikhs o fizeram segurar e levantar uma espada de aço, um símbolo auspicioso para eles. O líder budista riu sem graça e pediu para outros religiosos segurarem o cabo da espada junto com ele. Swami Agniveh, um dos mais importantes líderes hindus do país, que luta contra o sistema de castas, resumiu para o monge budista:

¿ Sua santidade é o Gandhi de hoje. O mundo todo está olhando em sua direção ¿ disse Agnivesh.