Título: Federação solidária
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 01/04/2008, O País, p. 4

A nova proposta de sistema tributário que foi apresentada na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado como alternativa ao projeto de reforma do governo representa, do ponto de vista político, a introdução do sentido cooperativo no funcionamento da Federação brasileira, com o espírito mais solidário entre os seus entes. Por isso não há nem referência à guerra fiscal, impossibilitada de acontecer por um sistema que, ao contrário do "cada um por si" que vigora hoje, coloca todo mundo no mesmo barco. A legislação será nacional, igual para todos os estados, e, se um estado quiser dar subsídio a alguma empresa, pode dar, mas não à custa de outro estado. O Imposto de Valor Agregado (IVA) será legislado pela União, que terá dificuldades para criar contribuições que não partilha com estados e municípios.

O senador Francisco Dornelles, relator da proposta na subcomissão de reforma tributária, diz que buscou "um pouco mais de audácia, com o objetivo básico de reduzir o custo de arrecadação". Dornelles ressalta que "a carga tributária é formada não apenas pelos impostos, mas também pela estrutura que você gasta para pagá-los".

Ele cita um gráfico do Banco Mundial que mostra que uma empresa padrão, com número de empregados e faturamento iguais, no Brasil está gastando 2.600 horas por ano para pagar imposto, enquanto na Suíça são 63 horas, na Áustria 170 horas e nos Estados Unidos 325 horas.

"A burocracia está muito grande. A carga tributária, que, dependendo do instituto, pode chegar a 34%, 35% do PIB, tem mais 1,5%, que é o custo do pagamento", comenta Dornelles.

No novo sistema proposto, o governo pode até criar contribuições por medida provisória, mas terá que aprová-la até 30 de junho para entrar em vigor só no início do ano seguinte, e as condições para a criação de contribuições serão as mesmas para os impostos, isto é, mais rigorosas.

Uma contribuição não poderá ter a mesma base de um imposto. A contribuição para a TV pública recentemente aprovada, por exemplo, não poderia ter sido criada porque tem a mesma base do IVA, já que tudo quanto é faturamento está incluído no novo imposto único.

As taxas específicas que continuarão a ser cobradas não poderão ser usadas em outras finalidades. A taxa de passaporte, por exemplo, tem que ir para a Polícia Federal, e não para o caixa único da União, e, se no final do ano tiver sobrado dinheiro em caixa, a taxa será automaticamente reduzida.

A nota fiscal eletrônica, junto com os cadastros únicos nacionais (de empresas, de pessoas, de imóveis e de veículos), ajudará a montar um sistema nacional de informações fiscais que cubra todos os impostos e todos os governos.

Esse será o papel do governo federal pelo projeto do Senado: cuidar do cadastro e principalmente do sistema de informações, que cruzará os dados dos quatro cadastros. Hoje o sistema é muito complexo e há vários órgãos e tributos que não falam entre si.

A nova proposta juntou no IVA cinco ou seis impostos "que são irmãos siameses, no sentido de ter praticamente a mesma base de cálculo: ICMS, IPI, Cofins, PIS-Pasep, Cide, e algumas taxas camufladas", como explica Dornelles.

O Imposto sobre Serviços (ISS) é a única exceção que fica mantida para os municípios. Tecnicamente já se poderia ter feito um imposto único; o que dificultava é que não tínhamos, anos atrás, a sofisticação tecnológica que temos hoje.

O projeto de Dornelles cria ainda uma distribuição automática pelos bancos do IVA, que será repassado para o governo federal e para os estados, proporcionalmente.

O imposto único vai ser cobrado na origem, porque no destino a sonegação é muito grande, mas a parte dos estados vai ser distribuída por um Índice de Consumo a ser criado pelo IBGE, com base no consumo do último ano, e a apuração será feita todo ano, para gerar uma tabela com 27 índices, correspondente ao que cada estado terá direito.

Uma parcela caberá ao estado de origem sobre tudo, e a parcela maior será distribuída pelo consumo, proporcionalmente. A proposta do governo exige uma apuração por estado, e a alternativa do Senado usa uma apuração nacional. O espírito da nova proposta é que não importa onde o contribuinte paga, todo mundo vai receber.

A nota fiscal será padronizada no país inteiro, até a cor. A guia de recolhimento será igual em todos os estados. O que importa é o consumo proporcional, cuja distribuição é mais simples. Nesse sistema nacional proposto, uma empresa pode pegar o débito de um estado, abater o crédito de outro e recolher só a diferença.

Nos primeiros anos de transição seria mantido o mesmo volume. Se a arrecadação do Rio representa hoje 10% da arrecadação nacional, o Rio receberá os 10%. A fiscalização será feita pelos estados; a União ficaria com o Imposto de Renda e a Previdência.

O Imposto das Grandes Fortunas é o avesso do espírito da nova proposta, e por isso nem aparece. A filosofia da nova proposta é que, se alguém ganha um salário muito alto, tem que pagar Imposto de Renda; se compra uma Mercedes último tipo, tem que pagar o IVA e um IPVA alto; e, se tem uma mansão, tem que pagar IPTU. "Não é questão ideológica, mas de simplificar o sistema", ressalta Dornelles.

A nota fiscal eletrônica destacará o quanto de IVA está sendo pago pelo contribuinte. No período de transição, será incluída nas notas fiscais a soma em reais de todos os impostos hoje existentes, para que o consumidor saiba quanto está pagando em reais, e não em porcentagem. Para mostrar que a soma das alíquotas é enorme, só que o consumidor não sabe.