Título: Banco diferente, tarifa parecida
Autor: D"Ercole, Ronaldo
Fonte: O Globo, 01/04/2008, Economia, p. 17

Procon e Idec vêem indícios de cartel em novas tabelas divulgadas pelas instituições financeiras

Os órgãos de defesa do consumidor identificaram indícios de formação de cartel nas novas tabelas de tarifas divulgadas ontem pelo bancos. Previstas para entrar em vigor no próximo dia 30, essas tabelas já se enquadram nas novas determinações feitas pelo Banco Central (BC) em dezembro, que prevêem isenções para uma série de serviços. Mas, ao analisar as tabelas com os novos preços dos serviços chamados prioritários (os mais usados pelos correntistas), o que o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o Procon de São Paulo (Procon-SP) verificaram foi um alinhamento de preços: quem cobrava mais do que a média do setor reduziu seus valores e quem estava muito abaixo fez caminho inverso. A maior alta foi de 150% e a maior redução, de 48,9%.

- É impressionante esse alinhamento. Os preços dos serviços básicos estão muito próximos - afirmou a advogada do Idec Maria Elisa Novaes, para concluir: - Isso é cartel.

Entre as 11 instituições que divulgaram tabelas no site da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) ontem, as tarifas para a manutenção de conta corrente ativa, por exemplo, variavam de R$8 a R$9. Para se enquadrar nessa faixa, a Nossa Caixa, por exemplo, reajustou seu preço em 17,33%, e Unibanco e Citibank, em mais de 13%. No caso do DOC (documento de ordem de crédito), as tarifas variam de R$13,50 a R$14,95, faixa parecida com a cobradas para TED (transferências eletrônicas de depósitos).

- Há fortes indícios de alinhamento de preços e, se isso se confirmar, as medidas do BC se revelarão inócuas, porque o intuito das mudanças era justamente estimular a competição com maior transparência. E, pelas informações da Febraban, não há outra conclusão - disse Renata Reis, técnica do Procon-SP, que pretende pedir informações mais específicas dos bancos. - Agora temos que ver como os bancos estão fazendo isso.

Febraban: custos são equivalentes

O superintendente da área de projetos da Febraban, Jorge Higashino, disse que até pode haver coincidência nos serviços mais usados, porque as instituições usam sistemas parecidos, o que resulta em custos "mais ou menos equivalentes". Mas descartou alinhamento de preços. Segundo ele, cada banco está tentando ajustar seus processos para assegurar rentabilidade com as novas regras, que "são duras":

-- O que existe é semelhança na apuração de custos, mas jamais como forma de atuação no mercado. Os bancos são concorrentes e estão sempre procurando brechas para conquistar novos clientes.

Pelas novas regras do BC, os serviços bancários foram divididos em quatro categorias. Para os essenciais, que incluem dez procedimentos e produtos (como dez folhas de talão de cheque e o fornecimento do cartão de débito), os bancos estão proibidos de cobrar tarifas. Já os denominados prioritários são fixados livremente pelas instituições, mas, de agora em diante, só poderão ser reajustados a cada seis meses. Foi justamente nas tarifas de alguns desses serviços que os órgãos de defesa do consumidor detectaram indícios de alinhamento de preços.

Maria Elisa vê outra distorção grave no prazo de seis meses para os bancos reajustarem as tabelas:

- É ridículo, nenhuma tarifa neste país tem reajuste com prazo inferior a um ano. Por que só os bancos podem?

As outras categorias criadas pelo BC são de especiais, sujeitos a normas específicas (SFH, FGTS e conta salário, entre outros), e de diferenciados, passíveis de cobrança mediante esclarecimento prévio das condições.

Essa diversidade de categorias de serviços, na avaliação dos órgãos de defesa do consumidor, é outra medida que vai contra os princípios de criar um sistema que desse maior transparência e comparabilidade.

- A quantidade de normas (divulgadas em dezembro pelo BC) é relativamente grande - admitiu o assessor técnico da Febraban Ademiro Vian, na apresentação das regras.

- O Idec não vê muito avanço nessa diversificação, e também consideramos muito preocupante a criação do pacote prioritário - afirmou a advogada do Idec.

Esses pacotes reúnem 20 serviços, inclusive os essenciais, e cada banco tem seu preço. Segundo ela, com a padronização do pacote, o correntista acaba perdendo, porque os serviços ali reunidos podem não atender às suas necessidades.

- O pacote prioritário repete prática antiga - afirmou.

Tabelas em agências e na internet

As tabelas de tarifas dos pacotes e dos serviços avulsos agora têm de estar disponíveis para consulta dos correntistas em todas as agências bancárias e nos sites das instituições. Para ajudar nesse processo, desde ontem a Febraban já atualizou seu Sistema de Divulgação de Tarifas de produtos e Serviços Financeiros (Star). Criado em setembro do ano passado, o sistema reunia dados de duas dezenas de bancos, e até ontem havia recebido 235 mil acessos para consulta. Basta acessar www.febraban-star.org.br.

Embora apenas 11 instituições tivessem disponibilizado suas tabelas ontem, a expectativa da entidade é que um número bem maior envie suas informações ao serviço. No mesmo endereço há também uma ferramenta que permite ao consumidor comparar as tarifas cobradas por cada um desses bancos.

Os questionamentos e cobranças dos órgãos de defesa de consumidor, entretanto, não devem cessar.

- O consumidor continua sem liberdade, refém de um mercado em que não há competição - concluiu a advogada do Idec.