Título: Para especialistas, veto é um retrocesso
Autor: Lima, Maria
Fonte: O Globo, 03/04/2008, País, p. 3

Lula cria mecanismo de sobrevivência política para depois de 2010, diz Romano

Ricardo Galhardo

SÃO PAULO. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cria um mecanismo poderoso de sobrevivência política para além de 2010 ao fazer concessões ao movimento sindical, algumas na contramão do que defendeu durante três décadas, afirma o filósofo Roberto Romano, professor da Unicamp e estudioso do movimento sindical brasileiro. Um exemplo disso, diz ele, é o veto ao dispositivo legal que permitiria ao Tribunal de Contas da União (TCU) fiscalizar os sindicatos.

- Lula tem uma popularidade inquestionável e ainda é muito jovem. Ele pode muito bem atravessar esses quatro anos (que separam o fim de seu mandato da eleição de 2014) com uma máquina de oposição afiada, formada pelos sindicatos, e voltar ao poder - disse o filósofo.

Para Romano, o veto é mais um passo de Lula no sentido de controlar o movimento sindical:

- O movimento sindical foi o motor da eleição e da reeleição de Lula. Ele precisa de um sustentáculo organizacional, e o PT não é confiável. Já os sindicatos são hierarquicamente organizados e disciplinados. Isso é essencial para os planos de sobrevivência política de Lula.

Para Romano, Lula delegou poder em excesso a sindicalistas, que se aproveitaram disso por interesses pessoais. Isso criou uma espécie de "neopeleguismo", semelhante ao "peleguismo" enfrentado pelo próprio Lula no fim da década de 70:

- No final do regime militar, alguns sindicalistas como o Joaquinzão (Joaquim dos Santos Andrade, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de SP), se davam muito bem com a ditadura. O movimento do ABC surgiu como oposição a isso, mas aos poucos vemos um retorno da estrutura montada no final do governo Getulio Vargas, cujos resultados foram desastrosos.

O cientista político Francisco Weffort, fundador do PT e ministro da Cultura no governo Fernando Henrique Cardoso, também vê um retrocesso no veto de Lula:

- Isso preserva a situação da CLT de 1943.

O ex-ministro lembrou que Lula sempre foi contra o imposto sindical que, segundo ele, era a principal sustentação dos "pelegos" como Joaquinzão no final da ditadura militar e disse não ter dúvida de que Lula abandonou bandeiras históricas em troca de apoio político.

- O Lula é como a música daquele cantor popular (Raul Seixas), uma metamorfose ambulante. A argumentação dele é de um cinismo deslavado - afirmou.

O constitucionalista João Piza, especialista em assuntos sindicais e advogado da CUT em dezenas de ações, diz que a manutenção do imposto contraria o princípio da não-interferência governamental no movimento sindical (previsto na Constituição), mas defendeu o veto de Lula:

- O Estado não pode, pela via oblíqua da tributação, interferir na vida sindical. O imposto, portanto, é inconstitucional. Mas delegar a fiscalização ao TCU só aumenta a inconstitucionalidade. Além disso, o veto à fiscalização do TCU não significa descontrole. Os sindicatos continuam controlados pelo Poder Judiciário.

A ausência do TCU, no entanto, vai dificultar a fiscalização por parte do Ministério Público, segundo Sebastião Caixeta, presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho.

- Não estamos falando de dinheiro privado, de uma contribuição espontânea, mas de um tributo cobrado compulsoriamente de todos os trabalhadores assalariados. Não estamos interessados no dia-a-dia dos sindicatos, mas no controle de dinheiro público - disse.