Título: Dengue esgota leitos nas unidades públicas
Autor: Motta, Cláudio; Goulart, Gustavo
Fonte: O Globo, 02/04/2008, Rio, p. 14

Com todas as 607 vagas para vítimas do mosquito ocupadas, cidade agora exporta doentes para municípios vizinhos

A epidemia de dengue levou a rede pública de saúde no Rio entrar em colapso. Ontem já não havia mais leitos para pacientes com a doença que precisassem ser internados. Todas as 607 vagas de hospitais federais, estaduais e municipais reservadas para as vítimas do Aedes aegypti na Central de Regulação de Leitos estavam ocupadas. Também não havia mais lugar nos nove hospitais particulares contratados, inclusive fora do município, pelo governo do estado. Para tentar resolver o problema, a Secretaria estadual de Saúde, decidiu reservar 94 leitos pediátricos no Hospital Anchieta, no Caju, até o fim da semana e outros 150 na Santa Casa. Enquanto isso não acontece, o Rio, acostumado a receber doentes de outras áreas, está exportando vítimas para cidades vizinhas.

Cansados de esperar por atendimento nas longas filas das unidades públicas da capital - que obrigaram o estado até a importar pediatras -, muitos pacientes vêm procurado socorro em municípios vizinhos, que também têm recebido transferidos por falta de vagas. Só Niterói, considerada um oásis por não ter registrado até agora qualquer óbito nesta epidemia, já recebeu, desde o início do ano, 22 cariocas com sintomas da doença, que procuraram espontaneamente os hospitais de lá em busca de socorro. Fora os 12 doentes transferidos pela Central de Regulação dos Leitos do Estado até a semana passada, segundo o secretário municipal de Saúde de Niterói, Luiz Roberto Tenório.

- Dos 259 casos notificados que contabilizamos de fora de Niterói, num total de 1.104 notificações, a maioria vem de São Gonçalo, que é vizinha. De lá, estamos acostumados a receber pacientes. Mas do Rio, é novidade. Muita gente vem por conta própria. A maioria, da Zona Oeste - conta Tenório.

Juíza manda poder público comprovar atendimento

Já no Hospital estadual Alberto Torres, em São Gonçalo, havia ontem cinco pessoas internadas com dengue - quatro adultos e uma criança - que moram no Rio. Isto significa que quase um terço dos 18 leitos que a unidade reserva para pacientes com dengue está ocupado por cariocas. Também estão sendo feitas transferências pela Central de Regulação dos Leitos para hospitais de Barra Mansa, Magé e Caxias.

- Normalmente, o município do Rio recebe doentes de outras cidades. Agora, o Rio entrou em colapso e as pessoas já estão procurando alternativas - diz o vereador Carlos Eduardo, da Comissão de Saúde da Câmara.

O prefeito Cesar Maia reconhece que cariocas têm procurado atendimento fora da cidade, mas observa:

- Há milhares e milhares procurando nossos hospitais também.

Muitos pacientes procuram atendimento em cidades vizinhas por iniciativa própria. Foi o caso de Maria do Socorro da Silva, moradora de Padre Miguel, na Zona Oeste. Ela peregrinou com seu marido Luciano Rocha, de 37 anos, por hospitais do Rio até achar uma vaga em São Gonçalo.

- Viemos para cá na madrugada de sábado. Se eu deixo meu marido no Rio, ele teria morrido - conta Maria.

Além de pessoas que desistiram de encontrar vagas, as próprias unidades do Rio estão encaminhando pacientes para o Alberto Torres. Foi o caso do menino Renan dos Anjos, de 10 anos, que mora em Senador Camará, também na Zona Oeste. Ele foi transferido de um posto de saúde do bairro para a unidade em São Gonçalo de ambulância. Sua mãe, Jana dos Anjos, está aliviada por ter conseguido um leito, apesar da distância.

Em Cabo Frio, o Hospital municipal Central de Emergência, também sofre com o aumento da demanda de pacientes por conta do êxodo de pessoas do Rio. Segundo o secretário de Saúde Antônio Pedro Pires Jardim, alguns pacientes afirmam que é mais rápido viajar para Cabo Frio do que esperar nas filas de hospitais. Ele afirma que, na segunda quinzena de março, a demanda aumentou cerca de 50% para pediatria e 25% para adultos.

Segundo a Secretaria estadual de Saúde, a falta de vagas para internação, ontem à tarde, foi momentânea. Quando os pacientes recebem alta, as vagas são ocupadas por outros doentes, gerando uma rotatividade grande.

A juíza Anna Eliza Duarte Diab Jorge, da 10ª Vara de Fazenda Pública, atendeu ao MP e determinou que estado e prefeitura comprovem em 48 horas o cumprimento da liminar de 28 de março garantindo o pronto-atendimento às pessoas com dengue, sob pena de terem verbas bloqueadas. A liminar obriga os hospitais públicos, em caso de não terem vaga, a encaminharem os doentes para unidades particulares conveniadas ao SUS, ou até a custearem o tratamento. Apesar da liminar, a angústia persistia ontem nas filas enormes de hospitais públicos como o Lourenço Jorge, na Barra, e o Salgado Filho, no Méier. Mães esperavam atendimento para seus filhos até à noite.

O esquema de guerra montado pelas Forças Armadas também já não consegue dar conta do exército de doentes que procuram suas unidades. No segundo dia de funcionamento, o hospital de campanha da Aeronáutica montado no Terminal Alvorada, na Barra, começou ontem a recusar novos pacientes, por volta do meio-dia. Única unidade das Forças Armadas a aceitar pacientes que não foram encaminhados por outros hospitais, a tenda da Aeronáutica distribuiu 407 senhas. Com capacidade para 400 pessoas, outras senhas voltam a ser distribuídas hoje, a partir das 7h30m.

De acordo com o tenente-coronel Henry Munhoz, assessor de imprensa da Aeronáutica, o atendimento foi muito maior que o esperado.

- Nosso hospital de campanha não tem condições de atender mais de 400 pessoas a cada ciclo de 24 horas. Se ficarmos funcionando durante os 60 dias previstos, 24 mil pessoas passarão pelo hospital em dois meses, um terço do efetivo da FAB.

Em Nova Iguaçu, o hospital de Campanha da Marinha também operou no limite de sua capacidade de atendimento, apesar de só receber os doentes transferidos do Hospital da Posse. Foram 412 atendimentos, quase o dobro da véspera.