Título: Juros no fogo cruzado
Autor: Barbosa, Flávia; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 02/04/2008, Economia, p. 21

Governo congela mais R$8 bi do Orçamento para tentar impedir que BC eleve taxa básica

OO ministro da Fazenda, Guido Mantega, explicitou ontem a batalha que ocorre nas trincheiras do governo em torno do futuro dos juros básicos da economia. Em reunião aberta do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), diante de ministros, empresários e setores da sociedade civil organizada, Mantega subiu o tom e apresentou dados que negam enfaticamente o risco de explosão inflacionária - na contramão do discurso do Banco Central (BC), que, em duas semanas, decidirá a trajetória da taxa Selic. O ministro anunciou ainda uma contribuição para evitar a alta dos juros, ao informar que serão congelados R$20 bilhões em recursos orçamentários para "vigiar os gastos correntes, que aumentam a demanda agregada" e pressionam a inflação. Trata-se de cerca de R$8 bilhões a mais do que estava previsto anteriormente.

Afirmando que os ortodoxos têm medo do crescimento, Mantega disse que o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) cresce de forma equilibrada porque a forte demanda interna está sendo acompanhada de investimentos do lado da oferta. Ele citou como exemplo os R$20 bilhões que o setor automobilístico pretende aplicar até 2010:

- Até recentemente, alguns analistas diziam que a economia brasileira não tinha condições de crescer mais que 3%, depois mais que 3,5%, depois mais que 4%. Fomos desmontando este mito da impossibilidade de um crescimento robusto da economia.

Esforço fiscal é desafio, diz Mantega

O chamado PIB potencial revela, entre outros, quanto a economia pode crescer sem gerar inflação. Portanto, é um dos elementos que compõem os cálculos do BC na hora de traçar a curva de juros que garante o cumprimento da meta de inflação, cujo centro é 4,5%, em 2008 e 2009. Mantega lembrou que o Brasil cumpre a meta há quatro anos e que o próprio BC espera que o IPCA fique em 4,6% este ano - praticamente no centro da meta. Para 2009, disse, o mercado espera variação de 4,3%. O ministro reconheceu pressões isoladas, como a alta internacional dos preços de commodities e de alimentos como feijão e leite.

Mantega disse que os problemas dos alimentos são passageiros. Segundo ele, tirando o feijão do cálculo da inflação, por exemplo, a projeção do IPCA de 2008 ficaria em 4,2%. Rebatendo a tese de que o aquecimento do consumo está pressionando o índice, afirmou que a inflação do setor de automóveis está em 2,48% (em 12 meses).

Na ata de sua última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) revelou que o BC cogitou elevar os juros - hoje em 11,25% ao ano - pela primeira vez desde maio de 2005, devido à preocupação com a inflação.

O governo tem tomado medidas que evitem desequilíbrios no crescimento, sem que nenhuma delas signifique "puxar o freio" da economia, alfinetou Mantega. O esforço tem sido na direção de estimular exportações e evitar a entrada de capital especulativo de curto prazo - o que ajuda a depreciar o dólar. Entre as ações estariam o fim da cobertura cambial, a desoneração do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para exportações e a taxação dos investimentos estrangeiros em renda fixa.

Abordando um dos temas que mais geram cobranças ao Executivo, e que aparece de forma velada nos relatórios do BC, o ministro reconheceu que o governo tem como desafio apresentar situação fiscal mais sólida:

- Temos como desafio sempre manter estrita vigilância nos gastos correntes do governo porque eles também são um fator que aumenta a demanda agregada. E agora que foi sancionado o Orçamento, nós pretendemos fazer um corte de R$20 bilhões, portanto, cumprindo aquilo que nós tínhamos prometido.

Os R$20 bilhões representam o corte anunciado em janeiro como compensação ao fim da CPMF. Porém, nas discussões do Orçamento, a equipe econômica acordou com o Congresso, diante da revisão da estimativa de receitas, um contingenciamento de apenas R$12 bilhões. O Planejamento - onde as declarações causaram desconforto - fez um ajuste recentemente e passou a trabalhar com cerca de R$14 bilhões.

O discurso enfático de Mantega é mais um capítulo dos esforços da Fazenda - em nome da ala desenvolvimentista - para evitar o retorno da política monetária restritiva do BC. Da última vez que ela foi posta em prática (na esteira do supercrescimento de 2004), acabou levando o país de volta à síndrome do vôo de galinha em 2005 e 2006, com sacrifício dos investimentos e da ampliação do emprego, avalia a equipe econômica.

Agora, além de abortar o ciclo de expansão robusta - com custo político, pois esta é a meta explícita do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o compromisso de manter crescimento médio de 5% -, a equipe econômica teme o abalo das contas externas, levando a gestão petista a entregar em 2010 um indicador tão frágil quanto o que herdou da era FH.

Lula: crise americana parece uma CPI

Juros mais altos, em momento de redução de taxas nos EUA, atrairiam como um volume maior de dólares para o Brasil, derretendo ainda mais a cotação, sacrificando as exportações e ampliando o déficit em conta corrente, que fechou superavitária em US$1,461 bilhão em 2007 e já teve a projeção de saldo negativo este ano elevada de US$3,5 bilhões para US$12 bilhões.

A imposição de medidas restritivas ao crédito também faz parte do cardápio. Mesmo negando a redução compulsória de prazo de financiamentos, a Fazenda desde janeiro opera neste segmento. A primeira medida foi aumentar a alíquota de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre o crédito.

O presidente Lula também entrou na polêmica e reconheceu que o consumo está crescendo exponencialmente e que é preciso se dedicar a elevar a capacidade instalada das indústrias. Por isso, afirmou que seu governo está trabalhando em medidas setoriais que estarão na política industrial. Ela será anunciada no dia 15 de abril. O fortalecimento da economia doméstica também funcionaria como antídoto para os efeitos da crise americana:

- A crise americana preocupa todas as pessoas de bom senso, e sabemos que uma recessão prolongada pode ter reflexos. E certamente o Brasil não estará imune a uma crise profunda nos Estados Unidos. Mas no caso dessa crise, a gente vai tomando pílulas todos os dias, porque ela não aparece em sua totalidade. É como se fosse uma CPI, todo dia aparece uma notícia, todo dia aparece uma denúncia, uma coisa. E ainda não temos o quadro montado da crise americana.