Título: A era Mugabe perto do fim
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Fonte: O Globo, 02/04/2008, O Mundo, p. 27

Fontes do governo afirmam que ditador do Zimbábue negocia sua renúncia

HARARE

Após 28 anos governado com mão-de-ferro por um único líder, o Zimbábue está à beira de enfrentar uma histórica transição de poder. Fontes ocidentais, entre elas do Departamento de Estado americano, e altos funcionários do governo de Harare afirmaram ontem que o ditador Robert Mugabe estaria disposto a deixar o governo nos próximos dias ou até mesmo nas próximas horas. Os fortes rumores de renúncia ocorrem em meio ao impasse em torno das eleições do último sábado, as primeiras conjuntas da história do país, e que devem apontar uma derrota de Mugabe na corrida presidencial para o líder opositor Morgan Tsvangirai, levando a disputa para o segundo turno.

Segundo as fontes, Mugabe deve deixar o poder ¿sem violência¿, cedendo o cargo a Tsvangirai, do Movimento para a Mudança Democrática (MDC). A decisão pouparia o ditador de uma nova derrota no segundo turno das eleições. Apesar de nenhum resultado para o pleito presidencial ter sido divulgado, fontes eleitorais do Zimbábue afirmam que Mugabe terá cerca de 42% dos votos, contra 49% de Tsvangirai. Pesquisas independentes apontam para um eventual segundo turno com uma vantagem ainda maior do opositor. Por enquanto, os únicos resultados oficiais divulgados são das eleições para o Parlamento, e também indicam uma derrota de Mugabe. Segundo a Comissão Eleitoral do país, das 210 cadeiras parlamentares, o Zanu-PF ontem estava com 79, contra 82 da oposição.

¿ A renúncia de Mugabe só depende das negociações feitas com o chefe do Estado-Maior, Constantine Chiwenga. Ele é o único que ainda precisa ser convencido; os demais dentro do governo já concordaram. Acredito que seja uma questão de horas ¿ disse uma fonte do primeiro escalão do partido de Mugabe, o Zanu-PF.

O atraso na divulgação dos resultados nas eleições presidenciais chegou a provocar alguns tumultos na periferia de Harare. A oposição acusa o governo de imprimir três milhões de cédulas eleitorais a mais para fraudar os resultados e diz que a demora dos resultados pode ser um sinal de manipulação.

¿ Pedimos que todos os zimbabuanos permaneçam calmos enquanto avançamos neste meticuloso processo de apuração. Em breve daremos os resultados ¿ disse Lovemore Sekeramayi, porta-voz da Comissão Eleitoral.

Tsvangirai nega acordo com o governo

Mugabe vetou a participação de observadores internacionais independentes nas eleições, o que praticamente impediu denúncias precisas sobre fraudes durante a votação. O MDC afirma que Tsvangirai tem, pelo menos, 60% dos votos, e diz que a projeção é feita com base em contagens realizadas em 128 dos 210 distritos parlamentares do país. Tsvangirai nega que esteja negociando uma transição política com o governo:

¿ Queremos que o resultado das eleições seja divulgado o mais rápido possível. Não estou em negociações com o governo nem tenho conhecimento de informações sobre uma possível renúncia.

Os Estados Unidos também pressionaram pela divulgação dos resultados.

¿ Queremos que a recontagem dos votos para a Presidência seja divulgada o mais rápido possível. Qualquer atraso pode ser muito perigoso ¿ alertou o porta-voz adjunto do Departamento de Estado, Tom Casey.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pediu ¿maior transparência¿ na contagem dos votos ¿para que o povo tenha total confiança nos resultados¿:

¿ É preciso fazer com que a população tenha confiança no sistema eleitoral, para que atos violentos não se espalhem. O Zimbábue precisa de paz e de estabilidade democrática.

Com 84 anos e à frente do governo no Zimbábue desde 1980 ¿ quando o país se tornou independente ainda com o nome de Rodésia ¿ Mugabe é acusado de transformar uma das mais prósperas nações da África num lugar marcado pela miséria e pela falta de perspectiva. O país sofre com a maior inflação do mundo, 100.000%, com uma gigantesca epidemia de Aids que atinge 25% da população adulta e que diminuiu a expectativa de vida para 37 anos, com um índice de desemprego superior a 80% e com alguns dos piores indicadores econômicos da África. Em menos de dez anos, o Produto Interno Bruto encolheu 40% e pelo menos 90% da população vivem abaixo da linha de pobreza.

Segundo analistas, países ocidentais pressionam Mugabe a renunciar temendo uma onda de protestos e violência caso queira permanecer no poder, o que poderia tornar ainda mais dramática a situação humanitária na região.

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