Título: Lula quer transformar eleição em plebiscito
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 06/04/2008, O País, p. 8

Assessores do presidente dizem que, com força política renovada, ele teria condições até de propor um terceiro mandato

BRASÍLIA. Os movimentos políticos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para antecipar o debate sobre sua própria sucessão foram calculados e com um objetivo claro: federalizar a disputa municipal deste ano e ganhar musculatura entre os aliados no Congresso Nacional. A estratégia palaciana é dar um caráter plebiscitário de aprovação ao governo durante as eleições deste ano. A avaliação reservada de assessores do Palácio do Planalto é de que, dependendo da força política do presidente depois do pleito municipal, ele terá condições de ditar o rumo político a partir de 2009.

Apesar das negativas oficiais do governo de um terceiro mandato para o presidente Lula, a estratégia alimenta a especulação em torno da idéia. Setores do governo, do PT e dos partidos aliados discutem internamente se haverá ou não condições políticas no próximo ano de colocar esse tema em pauta.

Para qualquer cenário, Lula decidiu priorizar a eleição municipal e colocar na pauta temas como o bom momento da economia, as ações sociais do Bolsa Família e as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Com esse cardápio, a expectativa é ganhar espaço nas grandes cidades e também nos grotões, consolidando sua hegemonia.

- Diferentemente do ex-presidente Fernando Henrique, que não tinha força em 2000 para federalizar a campanha municipal, o presidente Lula está muito fortalecido. Por isso, ele decidiu dar um caráter plebiscitário a este pleito. Ao mesmo tempo em que ele força uma unidade da base aliada, também aumenta a penetração nos grotões e nas capitais. Se tiver popularidade superior a 60% no próximo ano, Lula deixará a oposição acuada e terá condições de colocar tudo na pauta política, inclusive o terceiro mandato - analisa o cientista político David Fleischer, professor da UnB.

Surpreendidos com a decisão de Lula de antecipar a sucessão faltando quase três anos para a disputa de 2010, até mesmo aliados estranharam o comportamento do presidente. Por exemplo, já falar em vitória sem ao menos ter um candidato certo. Internamente, a percepção é de que a mais recente vítima desse processo foi a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o nome que estava sendo testado pelo próprio Lula.

Meta é ampliar capital político

Dilma enfrenta forte desgaste político com as suspeitas de que saiu da Casa Civil um dossiê para chantagear a oposição na CPI do Cartão Corporativo. Segundo um interlocutor privilegiado do Planalto, a decisão de Lula de desafiar a lógica política e antecipar a própria sucessão tem como objetivo primeiro ampliar o seu capital político pessoal.

Por essa avaliação, a única coisa com que o presidente Lula não está preocupado neste momento é com o surgimento de nomes para a sua sucessão. Pelo contrário. Ao pôr na roda vários candidatos, tenta embaralhar o jogo sucessório para evitar o crescimento antecipado de uma candidatura.

- O presidente Lula está pedindo para ser julgado pela população, pois está com a popularidade em alta. Isso vai beneficiar de forma clara vários aliados. Mas principalmente ele. O presidente quer transformar essa eleição num plebiscito para criar um sentimento político de permanência e continuidade - ressalta esse interlocutor palaciano.

Por isso mesmo, observa essa fonte, o presidente tem feito questão de que sua imagem seja associada sempre a palanques, e em todas as regiões do país. Tanto que a presença de Lula em solenidades fora de Brasília, nos primeiros meses deste ano, já tem freqüência semelhante ao ano de 2006, quando ele disputou a reeleição.

- O PT e Lula estão no caminho do continuísmo - alerta o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE).

- Está muito claro que o presidente Lula já começa a articular o terceiro mandato. O governo já está preparado para colocar esse tema na pauta no próximo ano - completa o deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC).

Cautela com novo mandato

Mas, apesar de o vice-presidente José Alencar ter defendido publicamente a continuidade do governo Lula por mais quatro anos, a ordem no PT e no Planalto é de cautela com o tema. Para a líder do partido no Senado, Ideli Salvatti (SC), a decisão de Lula de antecipar a sucessão presidencial foi uma reação ao discurso da oposição. Mesmo reconhecendo algumas tentativas de continuísmo, ela descarta o terceiro mandato.

- O vice Alencar expressou o sentimento das pessoas que querem a continuidade do presidente Lula no comando. Mas isso não significa que, para que haja continuidade deste governo, o Lula tenha que ter um terceiro mandato. Queremos, sim, a permanência do nosso projeto de poder pelo maior tempo possível. Mas Lula pode fazer o seu sucessor e voltar em seguida. Agora, é indiscutível que o sucesso do governo Lula beneficia eleitoralmente o partido - observa Ideli.

Ao mesmo tempo em que antecipou o debate eleitoral nos últimos dias, Lula também ensaiou outro movimento arriscado, ao fazer recentemente a defesa pública de personagens desgastados como o ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) e o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), ex-presidentes da Câmara e do Senado.

Certos ou errados, os movimentos duvidosos do presidente cumprem tarefas específicas, segundo seus articuladores políticos.

- Em seus discursos, Lula está fazendo um desabafo. É uma resposta à oposição. Ou seja, no palanque, a tendência de Lula é reagir aos ataques políticos. Ao mesmo tempo, ao defender aliados, ele reconhece, por exemplo, que o Renan fez um trabalho importante. Com isso, ele faz uma política de agregar a base aliada. Ao fazer justiça aos aliados, ele amplia o seu apoio e faz um discurso para dentro, para melhorar a relação com a sua base - explica o senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo.

Ou seja, por essa visão, o presidente queimou um pouco do capital político que tinha na opinião pública, para ganhar musculatura onde não tinha: no Congresso.

Reservadamente, no entanto, o comportamento do presidente tem provocado desconfianças no governo e no PT, e em alguns setores já gera preocupação. O grande problema é que no núcleo do governo quase ninguém ousa contrariar Lula. Mas alguns petistas arriscam dizer que o "sucesso subiu à cabeça do presidente".

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