Título: O estilo Gilmau Mendes
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 06/04/2008, O País, p. 21

Ministro que assumirá STF coleciona desafetos, mas é visto como referência no meio

BRASÍLIA. O mato-grossense de Diamantino Gilmar Mendes gosta de uma boa briga. Respeitado pelo incontestável conhecimento jurídico, Gilmar não poupa nem os colegas da Corte quando quer defender suas posições. Nos últimos seis anos, do alto de uma das 11 cadeiras do Supremo Tribunal Federal, criticou sem pudores procuradores da República, policiais federais e até juízes. No dia 23, Gilmar assume a presidência do Supremo e passa a comandante do Judiciário brasileiro. Interlocutores do ministro avaliam que, na nova função, ele precisará domar o estilo.

Para o amigo e jurista Ives Gandra Martins, a têmpera de Gilmar é uma de suas qualidades.

- Trata-se de uma figura que vai ficar na história do Direito brasileiro. A obra dele é extraordinária, e ele tem se revelado um ministro bastante corajoso na tomada de posições. Não tem receio de enfrentar os colegas na defesa de suas teses. É ousado, corajoso e respeitado pelos colegas. Será um excelente presidente - diz o jurista, que já escreveu livros com Gilmar.

Antes de 2002, quando foi nomeado para o STF pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, Gilmar já se mostrava audacioso. Na época, era advogado-geral da União e criticou a profusão de decisões judiciais diferentes sobre um mesmo tema. Disse que havia um clima de "manicômio judiciário" no país. A declaração enfureceu o ministro Marco Aurélio Mello, que presidia o STF. No ano passado, durante um julgamento, protagonizou com Joaquim Barbosa um dos maiores bate-bocas da história da Corte. Eles se acusaram reciprocamente de não ter autoridade para dar lição de moral no outro.

Os embates de Gilmar não lhe tiraram admiradores. No último dia 19, o ministro foi sabatinado pelo Senado para ocupar também a presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que faz o controle externo do Judiciário. A praxe é deixar o cargo com o presidente do STF.

- O ministro se destacou em todas as atividades que desempenhou e é motivo de orgulho para a classe jurídica - disse Tasso Jereissati (PSDB-CE).

- Tenho respeito pelo seu preparo intelectual e sua história de vida - declarou Arthur Virgílio (PSDB-AM).

- Vossa Excelência tem uma respeitabilidade jurídica incontestável - afirmou Valter Pereira (PMDB-MS).

Se no Congresso ele é alvo de elogios, no Ministério Público é visto com restrições. A recíproca é verdadeira. No ano passado, o ministro tornou a pendenga pública ao dizer que os procuradores fazem uso político das ações de improbidade administrativa. Citou o procurador Luiz Francisco de Souza, autor de uma ação contra Gilmar. Segundo o procurador, quando estava à frente da Advocacia Geral da União (AGU), Gilmar teria contratado sem licitação o curso de Direito do qual é dono para prestar serviço ao órgão público.

- Se ele passasse um mês visitando penitenciárias, aidéticos, sem-terras, pescadores oprimidos, faria muito bem à saúde dele - sugere o desafeto Luiz Francisco.

O atrito com o Ministério Público - ao qual Gilmar já pertenceu - começou quando ele foi para o governo. Foi dele a idéia de criar a Lei da Mordaça, proibindo autoridades de fornecer dados de investigações não concluídas. Há duas semanas, comprou briga com os magistrados ao declarar que a categoria acostumou-se a decretar prisões preventivas de forma excessiva. Para ele, é por esse motivo que o STF concede tantos habeas corpus a réus presos. O estilo rendeu-lhe o apelido de "Gilmau". A fama de mau mais o diverte que o irrita.

Nem os adversários negam que ele é referência no meio jurídico. Seu livro "Curso de Direito Constitucional" é adotado nas principais faculdades do país. Formou-se na Universidade de Brasília (UnB), onde hoje é professor, fez mestrado e doutorado na Alemanha. Foi assessor jurídico de Fernando Collor de Mello e Itamar Franco. Quando foi indicado para o STF, temia-se que virasse um líder do governo na Corte. As expectativas foram frustradas. Gilmar prefere ser fiel às próprias teses do que às do governo.

- Diziam que eu era muito próximo da filosofia do Fernando Henrique. Ninguém nunca me viu defender posições políticas no tribunal. No STF, minha missão é institucional, não partidária - disse, durante a sabatina no Senado.