Título: Desconforto para chamar a PF
Autor: Rocha, Marcelo; Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 04/05/2009, Política, p. 3

Desdobramentos dos escândalos minam soluções internas para apurar as suspeitas, mas Sarney é aconselhado por aliados a deixar os policiais de fora. Receio é perder o controle da investigação

Heráclito: Temos que dar um crédito para a sindicância. (Acionar a PF) é atropelar voto de confiança O Senado começa a semana diante de um impasse: convocar ou não órgãos externos para apurar as suspeitas de irregularidades em contratos mantidos com bancos para o crédito consignado e a existência de suposto esquema de fraudes na contratação de terceirizados. Há parlamentares que defendem a entrada da Polícia Federal no caso. O presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), é aconselhado por aliados a deixar a PF de fora, receosos de perder controle da apuração. Por ora, Sarney aposta nas apurações internas ¿ duas sindicâncias e um inquérito na Polícia Legislativa ¿ para dar uma resposta à opinião pública.

Os desdobramentos do escândalo, no entanto, começam a minar a solução doméstica encampada por Sarney. Durante o fim de semana, o diretor da Polícia Legislativa, Pedro Ricardo Araújo Carvalho, disse à imprensa que pretende ouvir, nos próximos dias, os senadores Romeu Tuma (PTB-SP) e Efraim Morais (DEM-PB), além do ex-diretor-geral Agaciel Maia. Os três foram citados pelo ex-diretor de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi ao falar, em entrevista à revista Época, sobre supostas irregularidades na área administrativa do Senado. Carvalho causou um grande mal-estar.

Além disso, uma parcela dos senadores teme o risco de a Casa sofrer desgaste caso a apuração interna nada conclua. ¿O Senado tem que se preservar. Se a investigação interna não chegar a nada, ficará sob suspeita. Portanto, acho que a Polícia Federal e mesmo o Tribunal de Contas da União deveriam sim ser acionados¿, opinou Álvaro Dias (PSDB-PR). O parlamentar lembrou que a PF já conduziu, em 2006, um inquérito sobre as fraudes em licitações na Casa ¿ detalhes sobre essa investigação foram revelados pelo Correio numa série de matérias publicadas ano passado. Na ocasião, a polícia levantou suspeita sobre Agaciel Maia e o senador Efraim Morais. ¿Se há fatos novos, a PF pode retomar.¿

Um dos primeiros a levantar a bandeira contra a farra do crédito consignado na Casa, o primeiro-secretário, Heráclito Fortes (DEM-PI), tem uma avaliação diferente. Ele acha que, nesta fase inicial, é preciso dar um ¿voto de confiança¿ à apuração interna anunciada por Sarney. Ele ressalta ainda que a PF não conseguiu comprovar nada contra Agaciel e Efraim naquele momento. ¿Temos que dar um crédito para a sindicância. (Acionar a PF agora) seria atropelar um voto de confiança¿, disse.

Farra Foi aconselhado por Heráclito que Sarney, tão logo assumiu a Presidência do Senado, endureceu as regras do crédito consignado. Havia uma chiadeira geral entre o funcionalismo por causa do custo do produto. Algumas instituições praticavam até 4,5% ao mês pela linha de crédito. O peemedebista fixou em 1,6% ao mês o teto para a taxa cobrada pelos empréstimos. Na verdade, o presidente da Casa mexeu num vespeiro e, por tabela, ajudou a enfraquecer politicamente João Carlos Zoghbi.

Nos bastidores, o ex-diretor de Recursos Humanos defendia os bancos. Hoje, há uma explicação para tal comportamento: Zoghbi lucrava alto com o consignado. Ele é acusado de montar, em nomes de laranjas, uma rede de empresas de consultoria para intermediar os negócios entre as instituições financeiras e o Senado. A principal delas seria a Contact Assessoria de Crédito, empresa que recebeu do Cruzeiro do Sul, suspenso por Sarney, cerca de R$ 2,3 milhões pelo negócio no Senado.

Levantamento da direção do Senado indica que a Casa mantém hoje 38 contratos com bancos para disponibilizar crédito consignado aos servidores. Há parcerias, recém-formalizadas, que só vão vencer em dezembro do próximo ano. Entre as instituições financeiras que atuam nesse bilionário mercado, com uma clientela estimada em 6 mil pessoas ¿ alguns com vencimentos que ultrapassam os R$ 20 mil ¿, está o Banco Cruzeiro do Sul, cujas operações foram suspensas semana passada.

O Cruzeiro do Sul nega qualquer relação com as eventuais irregularidades. Em nota, o banco afirmou que ¿jamais¿ operou com exclusividade o crédito consignado para os servidores do Senado, ao contrário do que informou o Correio na edição da última sexta-feira. A instituição informa que começou a trabalhar no local em 2002, ¿ano em que pelo menos outros seis bancos também ofereceram o produto¿.

Intermediação suspeita

Zoghbi: assessorias para atuar na intermediação de contratos

Trinta e oito bancos, segundo um levantamento da cúpula do Senado, mantêm contrato com a Casa para oferecer aos servidores empréstimo com desconto em folha em até 99 parcelas. A clientela é de 6 mil funcionários, alguns com salários que ultrapassam os R$ 20 mil mensais

As suspeitas lançadas sobre as empresas ligadas ao ex-diretor de Recursos Humanos do Senado João Carlos Zoghbi, todas registradas em nome de laranjas, revelaram a existência de assessorias que atuam na intermediação dos contratos entre as instituições financeiras e o Senado

A assessoria é remunerada pelo banco. O faturamento varia de acordo com o volume de empréstimos formalizados. Segundo a revista Época, uma dessas consultorias é a Contact Assessoria de Crédito, empresa que seria ligada ao ex-diretor de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi

A Contact atuou como correspondente bancária do Cruzeiro do Sul e teria recebido, nos últimos três anos, cerca de R$ 2,3 milhões da instituição. A Contact tem como sócia majoritária, com 66% das cotas, Maria Izabel Gomes, uma senhora de 83 anos, ex-babá de João Carlos Zoghbi

Zoghbi comandava a área que, estrategicamente, mais interessava aos negócios da Contact: o RH do Senado, responsável por uma folha de pagamento de R$ 3 bilhões anuais. Ele ficou 15 anos no posto até março, quando houve o flagrante do uso irregular de um apartamento funcional