Título: Desemprego zero não é desenvolvimento
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Fonte: O Globo, 06/04/2008, Economia, p. 35

Consultor da ONU diz que qualidade do emprego é mais importante do que quantidade

O economista Flávio Comim, consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), sustenta que desemprego zero não traz necessariamente alto índice de desenvolvimento humano. Segundo ele, emprego de baixa qualidade deveria ser encarado como uma estratégia de curto prazo: "Essas cidades são o primeiro passo. Resolvem a questão num primeiro momento, sem ter um caráter assistencialista".

Desemprego zero traz desenvolvimento humano?

FLÁVIO COMIM: A questão está na qualidade desse crescimento econômico. Que tipo de emprego é criado? Em que setor? Como esse crescimento está beneficiando a vida das pessoas? É preciso olhar ainda para a composição de saúde e educação desses municípios. Então, não haverá dúvidas em afirmar que baixa taxa de desemprego não se traduz necessariamente alto índice de desenvolvimento humano.

No que diz respeito ao mercado de trabalho, vale mais qualidade do que quantidade de vagas abertas?

COMIM: O emprego é importante qualitativamente e não quantitativamente. O trabalho deve gerar renda, sim, mas ainda acesso à saúde e à educação e meios para se progredir como ser humano.

Mas o país ainda esbarra na falta de formação, fazendo com que os empregos sejam de baixa qualidade...

COMIM: Não surpreende que o país tenha emprego de baixa qualidade. Somos um país extremamente desigual, inclusive na educação. Há os que nem sabem ler. E há os que vivenciam a internacionalização do ensino. O reflexo disso está no mercado de trabalho. De um lado, o emprego informal, desemprego disfarçado. Do outro, os melhores executivos do mundo, com os salários mais altos.

Municípios sem desemprego não estariam com menos um problema, o déficit de vagas no mercado de trabalho?

COMIM: Defendo emprego de baixa qualidade como estratégia de curto prazo. Essas cidades deram esse primeiro passo. Resolvem a questão num primeiro momento, sem caráter assistencialista. Porém, as indústrias que oferecem emprego de baixa qualificação precisam de um horizonte de capacitação. Planejar em educação é investimento a longo prazo, que passa pelas empresas, pelo indivíduo e pelas políticas públicas. Sem isso não há futuro.

Mas Saltinho, no interior paulista, tem um IDH acima da média brasileira...

COMIM: Saltinho é a exceção. O município baseia sua economia na metalurgia, com valor agregado maior. O resultado é um investimento social maior.

Então, a equação a que chegaram municípios como Saltinho nem sempre é positiva?

COMIM: O grande problema da criação de empregos é pensar no pleno emprego (quando todos aqueles que querem trabalhar estão empregados). Seria o pleno emprego realmente desejável? É inevitável ter desemprego, e não é necessariamente ruim. Algo pior do que isso é ter um mau emprego, que não dá oportunidades para se evoluir.

O senhor acha possível replicar essa taxa de desemprego zero em outros municípios brasileiros?

COMIM: É possível, sim, mas não a curto prazo. O Brasil tem um enorme entrave da questão distributiva. E ainda é preciso pensar no tipo de emprego que se quer gerar. É o caso, por exemplo, de dar menos incentivo a empresas de alta tecnologia e mais estímulo a empresas que empregam um maior número de pessoas. (Fabiana Ribeiro)