Título: A linha mestra é parecida
Autor:
Fonte: O Globo, 06/04/2008, Economia, p. 36
Para Aloisio Araújo, da Fundação Getulio Vargas (FGV) e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), há semelhanças entre 1929 e hoje. E esta é, sim, a maior crise desde a década de 1930. Mas Araujo não vê riscos de que os EUA sofram um efeito tão devastador em sua economia quanto o da Grande Depressão.
É possível traçar semelhanças entre a crise atual e a de 1929?
ALOISIO ARAÚJO: À primeira vista, são crises muito diferentes. Em 1929, houve corrida bancária clássica, com quebradeira de bancos. Hoje, o ambiente financeiro é muito mais complexo. E os bancos acabaram assumindo certa responsabilidade pelos instrumentos financeiros que criaram (reconhecendo nos balanços os prejuízos com hipotecas de alto risco). A regulação evoluiu, não teve ninguém correndo para pegar dinheiro na boca do caixa.
Mas o Bear Stearns quase quebrou e sofreu uma corrida de credores.
ARAÚJO: O Bear Stearns é um banco de investimentos. Talvez tenha havido uma corrida de grandes credores. Mas não se vê fila de pequenos clientes na porta dos bancos como em 1929. Hoje, nos EUA, todos têm seguro de depósito, algo que foi criado justamente após a crise de 1929. É um mecanismo semelhante com o que temos aqui no Brasil no Fundo Garantidor de Crédito no Brasil (FGC, que cobre até R$60 mil em depósitos à vista e poupança dos correntistas caso o banco quebre).
Os efeitos na economia da crise atual são parecidos com o que houve em 1929?
ARAÚJO: A linha mestra de contração de crédito, que leva a uma contração econômica, é parecida. Mas, se é verdade que esta é a maior crise desde 1929, sua magnitude não se compara com à da Grande Depressão. Seu efeito certamente não será tão devastador.
Em 1929, antes da crise nas bolsas, já havia sinais de desaquecimento econômico. Agora, a crise parece ter se iniciado no sistema financeiro. Isso é uma diferença?
ARAÚJO: Não dá para dizer se em 1929 foi uma crise de economia real ou financeira. As coisas ocorreram de forma concomitante. E, claramente, a corrida bancária agravou a situação econômica. Da mesma forma, alguns elementos da recessão americana de hoje não estão necessariamente associados à crise bancária. Os EUA vinham crescendo há muitos anos, era natural, pelos ciclos econômicos, algum freio. Havia ainda um processo de ganhos de produtividade, com os saltos tecnológicos, que pode ter chegado ao fim. E há desequilíbrios nos EUA, como o das contas externas.
Por que o senhor acredita, então, que a crise atual será mais suave?
ARAÚJO: As respostas à crise hoje são mais rápidas e na direção correta. As diferenças são maiores do que as semelhanças. Aprendeu-se muito com 1929, quando a primeira resposta foi no sentido errado, de restringir o mercado de crédito, porque não se compreendia seus efeitos multiplicadores na economia. Na crise atual, os bancos centrais agiram de maneira enérgica e rapidamente. Uma crítica que pode ser feita é que as autoridades não anteciparam os riscos dos novos instrumentos financeiros. Atuaram a posteriori, como uma lanterna na popa.