Título: Uma crise anunciada entre Brasil e Paraguai
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 06/04/2008, O Mundo, p. 42
Candidatos às eleições presidenciais do dia 20 advertem que vão pedir renegociação dos preços de energia de Itaipu
SÃO PAULO. Depois da crise no fornecimento de gás natural iniciada com a eleição de Evo Morales, na Bolívia, o governo brasileiro deve enfrentar problemas com energia da hidrelétrica de Itaipu, em função das eleições presidenciais no Paraguai, marcadas para o dia 20 de abril.
Em tons diferentes, os três principais candidatos à sucessão de Nicanor Duarte Frutos defendem a renegociação dos preços da energia excedente da hidrelétrica binacional. A diferença pode chegar a US$2 bilhões.
Campanha com fortes tons nacionalistas
Considerada uma das maiores fontes de riqueza do Paraguai, a hidrelétrica entrou no centro da disputa presidencial, marcada por um forte sentimento nacionalista. Pesquisa realizada em 2006 pelo jornal "ABC Color", nada menos que 97% da população paraguaia defendem que Brasil e Argentina paguem mais pela energia comprada das usinas de Itaipu e Yacyretá (parceria entre Paraguai e Argentina).
Na semana passada, o ex-bispo Fernando Lugo, candidato da Aliança Patriótica para a Mudança (APC, em espanhol), líder nas pesquisas, se encontrou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e falou sobre o assunto.
- Lula aceitou a idéia de discutir todos os tipos de problemas, sem restrições, e criar uma mesa técnica para debater Itaipu- disse o engenheiro Ricardo Canese, integrante da equipe que prepara o programa de governo de Lugo.
Dos três principais candidatos, Lugo é o que tem as propostas mais radicais. Ele defende a revisão do tratado que normatizou a usina, em 1973.
Segundo Canese, uma convenção firmada pelos dois países em 1966, diz que o Brasil deve pagar um preço "justo" pela energia.
Pelos cálculos de Canese, o valor pago pela energia paraguaia deve subir dos atuais US$350 milhões (ou US$550 milhões, segundo a direção de Itaipu), para no mínimo US$2 bilhões.
-Temos que levar em conta que o barril de petróleo custava US$2 em 1973 e hoje custa US$100. Pagar US$2 bilhões é o mínimo em termos de justiça. A substituição da matriz hidrelétrica pelo petróleo custaria US$8 bilhões- disse ele.
De acordo com o tratado de 1973, Brasil e Paraguai dividem meio a meio os 75 GWh produzidos por Itaipu. O Paraguai consome apenas 5% dos 50% a que tem direito. De acordo com o tratado, o Brasil tem preferência na compra do excedente. Lugo propõe que o Paraguai possa vender para outros países, pelo preço de mercado.
-Também pleiteamos mais transparência no controle das contas e uma efetiva binacionalidade. Desde o início as direções técnica e financeira são manejadas só pelo Brasil- disse Canese.
A candidata oficialista Blanca Ovelar, do Partido Colorado, que governa o país há 62 anos, e que está em segundo lugar nas pesquisas, também defende a renegociação, mas em termos mais brandos. Em seu programa de governo Blanca sugere a criação de uma Secretaria Nacional de Energia, com status de ministério, com o objetivo de formular uma política energética. Segundo a assessoria de imprensa da candidata, ela também defende que o Brasil pague o preço de mercado.
- Em relação às hidrelétricas que compartilhamos com países maiores do Mercosul, Argentina e Brasil, estamos convencidos que há 40 anos de entreguismo. Vamos promover no Paraguai uma sensibilização criando condições para a revisão do tratado- disse ela em entrevista no dia 16 de novembro, disponível em seu site de campanha.
Dos três candidatos com chances de vencer o pleito, o ex-general Lino Oviedo, da União Nacional dos Cidadãos Éticos, é o mais comedido. Ele tenta se colocar na disputa como um governante responsável. Em campanha veiculada na semana passada Oviedo se comparou a Lula e Cristina Kirchner e Lugo a Morales e Hugo Chávez.
Em entrevista ao GLOBO em novembro, ele disse:
- Quanto ao tratado de Itaipu, não há dúvida de que no meu país existem discordâncias. É preciso melhorar, corrigir, avançar, assim como as próprias constituições dos nossos países, porque o desenvolvimento econômico e tecnológico permite que seja assim. E se for presidente terei um retorno justo por parte do Brasil e Argentina por meio de relações fraternais.
A assessoria de imprensa do ex-general não forneceu detalhes sobre o programa de Oviedo para a área energética. Pesquisa publicada na sexta-feira pelo "ABC Color" mostra que Lugo lidera a disputa com 33,6%, contra 27,4% de Blanca e 24,6% de Oviedo.
A direção da Itaipu Binacional não quis se pronunciar sobre o assunto. Segundo fontes do Ministério das Minas e Energia, a questão é tratada diretamente por Lula e pelo assessor especial da presidência Marco Aurélio Garcia, que foi procurado mas não respondeu às ligações.