Título: Dois cafés e o presidente
Autor: Novaes, Luiz Antônio
Fonte: O Globo, 05/04/2008, Segundo Caderno, p. 1
Eugênio Bucci queria o governo longe da edição do noticiário da Radiobrás: talvez por isso não recebesse as ¿Cartas críticas¿ de Kucinski que, segundo ele, ¿envenenavam¿ o café da manhã e a relação do presidente com a imprensa. Mas Bucci era recebido por Lula aos sábados ou domingos, no Palácio da Alvorada ou na Granja do Torto, para a gravação do ¿Café com o presidente¿, conversa radiofônica que ia ao ar nas manhãs de segunda-feira. Foi assim durante quase três anos, à exceção do período eleitoral, quando programas desse tipo são proibidos pelo TSE.
Muitas vezes tensas, as gravações eram preparadas por mais de uma hora de debate sobre o que seria melhor dizer ¿ ou não dizer ¿ nos microfones. Bucci confessa que, nestes encontros, desdobrava-se em dois: ¿Às vezes, Lula olhava para mim e via um jornalista distanciado, indiferente aos seus dramas. E tinha razão. Outras vezes, ele me encarava e via um quadro político ao seu dispor. De novo, tinha razão.¿
Como explicar que, no governo, Bucci tenha sido, ao mesmo tempo, o jornalista em cruzada contra a bajulação e o conselheiro do presidente? No livro, ele admite que, consciente dos perigos, enveredou-se voluntariamente pelo terreno da ambigüidade, pois achava que um ¿Café com o presidente¿ bem feito fortaleceria a Radiobrás e seu projeto de autonomia. Conta que Lula jamais pediu para que a empresa deixasse de dar uma notícia, mas não descarta que os efeitos propagandísticos do programa de rádio tenham ajudado no apoio que mereceu do presidente durante todo o primeiro mandato.
Bucci pára por aí, mas faz sentido: o presidente que concedeu uma única entrevista coletiva em quatro anos pode ter visto no ¿Café¿ da Radiobrás um poderoso antídoto contra as críticas externas. Produzido na forma de entrevista ¿ mais jornalístico do que um pronunciamento, mas, ainda assim, sob controle oficial ¿-, o programa era retransmitido por mais de mil emissoras em todo o país e gerava notícia para jornais e sites. Exatamente o que Lula se negava a fazer no embate direto com os repórteres credenciados no Palácio do Planalto.
Confrontado por dois professores de comunicação em litígio, Lula soube tirar proveito de ambos. No café da manhã, digeria as lições de Kucinski sobre como desconstruir a imprensa; no ¿Café¿ servido por Bucci nos fins de semana, construía seu discurso, sem a intermediação da imprensa. Tal comportamento pragmático em matéria de comunicação, ao que tudo indica, vem de outro mestre, aparentemente o verdadeiro professor de Lula: o publicitário Duda Mendonça. Em busca da popularidade (e da audiência) jamais perdida, Lula seguia ¿ e continua seguindo ¿- um dos princípios que, no livro, Bucci mais critica nos governantes: na era do marketing, governar é fazer campanha eleitoral permanente, é fazer publicidade de obras a inaugurar, recém-inauguradas ou nem mesmo existentes. Para isso, há que se ter, sempre, um bom e competente palanque. Mesmo que apenas eletrônico.