Título: À moda brasileira
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 04/05/2009, Política, p. 4

Querem tirar dos cidadãos o direito de não reconduzir ao Legislativo o parlamentar imerecedor do voto

Deputados e senadores estão uma fera pelos seguidos prejuízos materiais, um a cada onda de denúncias que chega à imprensa. Tiveram que mandar embora os parentes, tiveram que moderar o consumo da verba indenizatória e agora estão proibidos de emitir passagens aéreas de graça ao bel-prazer. Do jeito que a coisa anda, daqui a pouco alguém pode ter a ideia de não pagar o auxílio-moradia para quem tem imóvel em Brasília. Onde isso vai parar?

Mas o eleitor está enganado se acha que suas excelências vão assistir passivamente à debacle. Diante das abundantes evidências de péssimo uso do dinheiro público, e estimulados pelo afago verbal que lhes dirigiu o presidente da República, senadores e deputados preparam o contra-ataque: a pretexto de fazer uma ¿reforma política¿, planejam a cassação do direito que o eleitor tem de escolher seu representante no Congresso.

Mas essa minha descrição talvez não seja a mais precisa. O que os alquimistas do parlamento urdem não é principalmente cassar o poder de o eleitor eleger. O que eles desejam, acima de tudo, é tirar do cidadão comum o direito de não reconduzir ao Legislativo o parlamentar que esse cidadão julga imerecedor do voto. Para isso é que servirá a tal ¿lista fechada¿, a joia da coroa da reforma política tramada pelo Palácio do Planalto e pelos principais partidos.

Como é hoje o sistema eleitoral para a Câmara dos Deputados, as assembleias legislativas e as câmaras municipais? Cada partido conquista um número de cadeiras proporcional aos votos recebidos, e elegem-se os ¿n¿ primeiros da lista de candidatos da legenda, na ordem decrescente dos votos. Ou seja, elegem-se os mais votados. Assim, se o eleitor deseja, por exemplo, fazer uma faxina na bancada do Partido X (PX), basta deixar de votar em certos candidatos do PX e descarregar o voto em outros.

Já se for aprovado o novo sistema, a cúpula do partido é quem vai decidir a ordem da lista, cabendo ao eleitor votar somente na legenda, e não em nomes. Assim, se hipoteticamente a sigla obtiver 10 cadeiras na Câmara dos Deputados em determinado estado, elegem-se os 10 primeiros da relação elaborada pelos caciques.

O sistema de lista fechada existe em vários lugares do mundo, mas com um detalhe: em todos os países sérios que a adotam, há garantias de que a ordem de candidatos em cada partido será decidida com a participação democrática dos eleitores. Aqui, querem fazer à brasileira. Querem implantar a lista fechada, mas sem qualquer garantia de que a ordem dos nomes será definida democraticamente.

Aí vai ficar fácil. Suponhamos um escândalo como o das passagens aéreas estourando numa Câmara dos Deputados eleita pelo sistema de lista fechada. O presidente da Casa jamais teria tido força política para por fim ao abuso. Michel Temer só dobrou as resistências quando os deputados perceberam que se votassem na continuidade da farra teriam seus nomes expostos publicamente e poderiam perder votos. Se estivesse em vigor o sistema proposto, no qual o eleitor vota na legenda e não no deputado, suas excelências estariam a salvo desse risco.

Os grandes partidos querem a lista fechada porque acham que vão se beneficiar do voto dado à legenda. O PT, especialmente, sonha com isso até quando está acordado. Já entre a massa dos deputados a coisa desperta desconfianças, porque o parlamentar que não é ¿dono¿ do partido em seu estado pode ficar à mercê do adversário político que controla a máquina. Mas agora os ¿donos de máquina¿ acenam para os demais com o tentador fim do voto nominal, com o fim da exposição ao eleitor.

Junto com a lista viria o financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais. Que, na prática, representaria sempre mais dinheiro para o partido que está no poder. Claro, pois o sistema prevê mais recursos para quem teve mais votos na última eleição. Ou seja, quem está no poder. Com isso, a oposição ficaria sem ter como buscar na sociedade os meios para enfrentar o governo. Sempre é bom lembrar, aliás, que Barack Obama simplesmente abriu mão do financiamento público e foi recolher entre milhões de americanos o dinheiro para ganhar a eleição.