Título: Tropa de choque contra a dengue
Autor: Machado, Vitor
Fonte: O Globo, 07/04/2008, Rio, p. 8

Começam a chegar os médicos cedidos por outros estados; até o fim da semana, serão 200

Em meio à epidemia de dengue, que já registra 39.380 casos da doença na capital, com 44 mortes, segundo dados da Secretaria municipal de Saúde atualizados na sexta-feira, a cidade recebeu ontem uma tropa de choque de 30 médicos para reforçar as unidades de saúde no combate à doença. São 21 do Rio Grande do Sul, dois do Amazonas e sete vindos de Mato Grosso do Sul. Hoje chegam mais cinco de Pernambuco, um do Amapá e 35 de São Paulo. A Secretaria de Saúde paulista informa que ofereceu ao município do Rio mil exames de sorologia para confirmação de dengue e cerca de 200 leitos de internação nos hospitais estaduais Emílio Ribas, Cândido Fontoura e Darcy Vargas, na capital paulista. Até o fim da semana, o Rio terá cerca de 200 médicos vindos de outros estados, sendo 160 pediatras.

- O secretário estadual de Saúde do Rio, Sérgio Côrtes, colocou um anúncio e os médicos do Rio não apareceram. Em todo o país, a pediatria é uma especialidade que conta com cada vez menos profissionais, até porque houve diminuição da demanda nos últimos anos - afirma Osmar Terra, secretário de Saúde do Rio Grande do Sul e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde.

De acordo com Terra, os médicos que virão ao Rio continuarão a receber salários de seus estados de origem e farão de quatro a cinco plantões por semana (ganham R$500 por turno de 12 horas). Os gaúchos, amazonenses, sul-matogrossenses, pernambucanos e o amapaense ficarão hospedados no Hotel Granada, de três estrelas, na Avenida Gomes Freire, na Lapa. A estada custará aos cofres do estado R$2.310 por dia. Só do Rio Grande do Sul, a previsão é de que quatro grupos de 20 médicos passem pelo Rio em dois meses, com um custo total de R$90 mil.

Com mais de uma hora de atraso, os 21 médicos do Rio Grande do Sul desembarcaram por volta das 23h30m no Aeroporto Internacional Tom Jobim. O grupo chegou com uma grande bandeira de seu estado e tirou fotos logo após o desembarque. As mulheres estavam em maioria: eram 15, boa parte jovens.

- Lidar com uma situação de epidemia será uma experiência nova. No Sul, tivemos só casos isolados - comentou a residente em pediatria Janaína Andrighetto, de 34 anos.

O médico gaúcho José Roberto Saraiva afirma que sua comitiva está munida de repelentes. Segundo ele, as mulheres do grupo foram orientadas a não usar saia, e os homens, a usarem calça de brim, que é mais grossa.

- O grupo foi montado em apenas quatro dias e vai ficar no Rio por 15 dias. O Rio Grande do Sul terá, a princípio, quatro equipes, e cada uma fica por uma quinzena. Nossa motivação é a solidariedade e também o desafio profissional - afirma Saraiva.

Prédio ao lado do hotel pode ter foco

Ontem os sete médicos de Mato Grosso do Sul chegaram às 11h30m. Todos trazem na bagagem repelentes e a experiência de terem trabalhado durante uma epidemia que atingiu aproximadamente um sétimo da população de Campo Grande ano passado, mas com apenas duas mortes confirmadas. Segundo a infecto-pediatra Márcia Janini Dal Fabbro, formada na UFF e mestre em medicina tropical pela Fundação Oswaldo Cruz, foi fundamental o número de postos para atendimento primário. Segundo ela, Campo Grande tem 90 postos para uma população de 700 mil habitantes (cerca uma unidade por 777 pessoas). O Rio, com uma população de 6 milhões de pessoas, tem 145 unidades básicas do município (aproximadamente um posto para cada 41.379 habitantes).

- Não estamos aqui para ensinar como se combate a dengue. Entre nós há muitos profissionais que, como eu, têm formação no Rio. O que queremos é colaborar. Aprendemos muito com a epidemia do ano passado - afirma Márcia Fabbro.

Ontem os profissionais de Mato Grosso do Sul se reuniram à noite com o coordenador do grupo, Rivaldo Venâncio da Cunha, que está no Rio desde quinta-feira, para que ele passe aos médicos as impressões que teve sobre a epidemia. Ainda não foi decidido como os médicos serão distribuídos. Mas eles serão enviados preferencialmente para os centros de hidratação que já estão operando no município (nas UPAs de Campo Grande e Santa Cruz, no Retiro dos Artistas, em Jacarepaguá, e na Penha) e para as outras três que o estado pretende abrir (no Iaserj da Gávea, no Quartel do Bombeiros do Méier e no Hospital Albert Schweitzer, em Realengo). Os médicos que chegaram ontem e os que desembarcam hoje no Rio passarão por um período de capacitação durante esta semana. Hoje será realizada reunião na Secretaria estadual de Saúde para apresentar o cenário da epidemia.

Boa parte dos profissionais ficará hospedada no Hotel Granada. Na porta do hotel, um funcionário segurava uma raquete mata-mosquito. Bastam poucos minutos no saguão para perceber a presença dos insetos. Segundo o gerente, que não quis ter seu nome divulgado, a quantidade de mosquitos no local aumentou muito depois que o prédio ao lado (Avenida Gomes Freire 510), que era um edifício-garagem, foi invadido por sem-teto. Ele afirma que quatro funcionários do hotel já tiveram dengue este ano:

- Os bombeiros vieram segunda-feira e disseram que o subsolo do edifício é uma verdadeira lagoa. Eles aplicaram o larvicida, mas disseram que teriam que retornar porque a quantidade aplicada não era suficiente para dar vazão a um foco tão grande.

O Conselho Regional de Medicina (Cremerj) tentará hoje conter a chegada de mais médicos de outros estados. A presidente da entidade, Márcia Rosa de Araújo, vai entregar ao secretário Sérgio Côrtes uma lista de 257 médicos que estão à disposição do governo, desde que recebam o salário proposto aos colegas de fora do Rio.

- Dizer que não há médicos no Rio é uma demagogia - disse Márcia. - Formamos três mil médicos por ano no estado. O que os afasta da rede pública é o salário.

COLABORARAM Renato Grandelle e Ruben Berta