Título: Vagas de ruas são vendidas por flanelinhas
Autor: Antunes, Elizabete
Fonte: O Globo, 07/04/2008, Rio, p. 14

`Fantástico¿ mostra que pontos administrados pela prefeitura são negociados por até R$15 mil

Num comércio ilegal de estacionamento, flanelinhas estão alugando vagas a outros guardadores em plena luz do dia. Em caso de venda, um ponto na Zona Sul da cidade pode valer até R$15 mil. A denúncia foi feita ontem pelo ¿Fantástico¿, da TV Globo. Na reportagem, o produtor do programa, Francisco Regueira, passou-se por um flanelinha e, com uma câmera escondida, chegou a negociar um trecho da Avenida Delfim Moreira por R$5 mil (o preço varia de acordo com a rotatividade do lugar). A ilegalidade é lucrativa para muitos deles. Léo, guardador do Vaga Certa, que atua em Ipanema e pede R$15 mil pelo ponto ¿ como fica em frente a um supermercado, a movimentação de carros é intensa e rentável ¿ costuma alugar a área. Ele contou que, como guardador, ganha bem e tem até carro importado. ¿Eu tenho casa, tenho dois filhos em colégio particular... Daqui eu tiro meu sustento. Não tenho outro emprego, não. Ainda tiro onda de patrão porque eu trabalho dia sim, dia não. Eu, quando boto alguém para trabalhar para mim, cobro R$70¿ (o aluguel por dia).

Reportagem mostra que qualquer um compra talão

Léo contou também que há um acordo com a Guarda Municipal. ¿São R$15 às sextas-feiras para a galera¿, disse o guardador que, perguntado pelo produtor por quanto ele venderia o seu ponto, respondeu: ¿Quinze mil, parceiro. E na bucha. Aí eu paro de trabalhar em estacionamento.¿

Durante três semanas de investigação, o produtor procurou as respostas para o escândalo: como é possível se vender uma rua? E como o esquema é feito? Também, segundo a reportagem, antigamente tudo era controlado pelo Sindicato de Guardadores Autônomos, mas, em 2001, a prefeitura mudou as regras. Atualmente, são 23 grupos e cooperativas, e hoje qualquer um pode se habilitar com uma documentação básica. Depois é só comprar um jaleco e os talões. E o ¿Fantástico¿ conseguiu comprar um talão (R$40) no sindicato sem que ninguém pedisse qualquer documento ao produtor.

Presidente do Sindicato dos Guardadores Autônomos, Adalberto da Silva Borges admitiu a falha e a falta de fiscalização. ¿Uma falha muito grave do nosso sindicato, que nossa tesouraria aqui está para vender talão para o associado¿. E completou: ¿É a lei da selva. Tá entregue às baratas. Tá entregue ao Deus-dará.¿

Guardadores dizem que policiais estão envolvidos

Desses R$40 gastos com o talão, explicou a reportagem, o sindicato fica com R$2 e a prefeitura com R$38. Cada talão tem 50 tíquetes. Cada um, na rua, vale R$2, o que totaliza o valor de R$100. Desse valor, R$60 ficam para o guardador. E, em algumas áreas, disseram os guardadores, os ¿donos da rua¿ são pessoas da polícia. ¿Fiquei trabalhando, dando um dinheiro para um cara. Aí, como ele é tenente da polícia, é médico-tenente, oficial da polícia, agora essa área aqui é do capitão. Da 19ª. Ele botou os caras que são da PM para controlar¿, revelou um guardador também da Zona Sul.

Outro flanelinha disse ter sido expulso de uma rua em Ipanema pelo sargento da PM Jefferson Salvador Lima. Ele ainda teria sido ameaçado de morte. Ele contou que prestou queixa na Corregedoria da Polícia Militar.

Segundo o tenente-coronel Rogério Leitão, relações-pública da PM, as denúncias serão apuradas. ¿E serão apuradas com o máximo rigor¿, disse ele ao ¿Fantástico¿. Segundo a reportagem, até o secretário municipal de Transportes, Arolde de Oliveira, admitiu que o sistema implementado pela prefeitura não tem funcionado. Arolde também falou ao programa: ¿Realmente, a questão do flanelinha ficou muito exacerbada na cidade¿.

No Rio, há 5.600 guardadores para cerca de 800 ruas. São 43 mil vagas que rendem por ano pouco mais de R$11 milhões para a prefeitura.