Título: Calçados que dão trabalho
Autor: Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 07/04/2008, Economia, p. 19

Pólo de Nova Serrana derrubou o desemprego: cria 18 mil empregos diretos e mais 22 mil indiretos

Não pergunte em Nova Serrana onde fica a rua X ou a rua Y. Nem todos os moradores da terrinha mineira sabem indicar o endereço correto. A maioria, no entanto, conhece a localização das principais fábricas de calçados que sustentam uma economia sem desemprego. É uma cidade para se trabalhar, justificam alguns. A 115 quilômetros da capital, Nova Serrana é um pólo calçadista com 850 fábricas e 250 bancas de pesponto (pequena empresa de costura) - que, juntas, garantem 18 mil empregos diretos e mais 22 mil indiretos.

Das fábricas de Nova Serrana, foram produzidos ano passado 73 milhões de pares de sapato. Espera-se encerrar 2008 com um aumento de 5% na produção. Praticamente toda a produção é direcionada para suprir o mercado interno - pouco se exporta no município mineiro. Uma estratégia comercial que, segundo os empresários locais, ganha força num momento em que as classes C e D apresentam ganho de renda, fortalecendo seu poder de consumo.

- Em muitas cidades calçadistas, como Franca, a queda das exportações fez muitas empresas quebrarem (por causa da baixa cotação do dólar). Isso não acontece aqui. Passamos a apostar mais na classe C e acertamos: as vendas dentro do país cresceram. Hoje, 30% das empresas apostam nesse nicho, que ganhou de Nova Serrana produtos com mais qualidade, com mais design. Resultado: o município cresce numa média de 8,5% ao ano - disse o prefeito e empresário Joel Martins (PTB).

Um crescimento como o da China

Ao contrário do que se vê em Saltinho, município do interior de São Paulo, que abriu ontem a série de reportagens "Desemprego Zero", onde a informalidade abocanha metade dos empregos da cidade, Nova Serrana conseguiu se desenvolver à base de empresas legalizadas e empregos com carteira. Entre o sobe-e-desce das ruas da cidade, as fábricas menores foram sendo construídas lado a lado. Algumas foram pintadas de cores diferentes, dando um ar mais alegre a uma cidade sem muitos encantos ou beleza natural. Há as que ocupam quarteirões e galpões maiores. Uma delas é a Henso, que emprega 600 pessoas, o equivalente a 1% da população. Com uma produção de 5.500 calçados por dia (femininos e esportivos), faturou ano passado R$27 milhões e espera 10% a mais no fechamento deste ano.

- O desenvolvimento da cidade se compara ao crescimento de China e Índia. Aliás, os produtos chineses disputam o mercado interno com Nova Serrana. Todos reclamam, natural, mas a produção continua crescendo - comentou Luciano Soares Bento, sócio da Henso.

Investimento em qualidade e design foi uma forma de dar mais valor às peças que saíam das fábricas do município, conta Ramon Alves Amaral, presidente do Sindicato da Indústria do Calçado de Nova Serrana (Sindinova). E, por conseqüência, foi o caminho para se destacar diante da invasão chinesa:

- Com o boom da China, as empresas foram obrigadas a diversificar sua produção. Passaram a produzir de calçados esportivos a sandálias e sapatênis. A China não deixou de ser um problema. Mas os empresários conseguiram driblar essa situação.

Na hora do almoço, troca de emprego

Ótimo para os trabalhadores. Ketson do Amaral, de 22 anos, aprendeu a fazer calçados com a tia, aos 11 anos. Hoje, termina o nível médio e ganha R$800 como encarregado de montagem numa fábrica. E não pensa em faculdade: quer fazer o curso técnico em calçados do Senai. Sua mulher, Naiana, de 21 anos, é acabadeira na mesma empresa e tem salário de R$450.

--- Com meu trabalho tenho TV, DVD, geladeira. Enfim, tudo para viver bem e tranqüilo. Mas não gostaria que meus filhos trabalhassem nesse ramo. É bom, mas é difícil também - explicou o jovem.

O curso técnico em calçados abre as portas de muitas fábricas, disse o presidente do sindicato. Com farta oferta de trabalho, sai na frente quem tiver um currículo melhor, acrescenta Alves.

- As pessoas trocam de emprego no almoço. Saem e não voltam mais. Para minha fábrica, já contratei gente na rodoviária. Com esse crescimento todo, os salários podem ficar altos. Um encarregado geral pode até ganhar, por mês, R$10 mil.

Numa cidade sem problemas com desemprego, faltam opções para o lazer - como restaurantes, pizzarias e até mesmo praças. Mas há um pequeno cinema e, ao menos, uma academia. O município tem 10 mil crianças na escola. Há mais de dez postos de saúde e está sendo implementado o Programa de Médico da Família. A violência parece ser uma questão que já preocupa os habitantes: há casas com muros altos e escolas com cercas elétricas.

- Toda cidade que cresce e que tem dinheiro enfrenta esse problema de pequenos roubos e assaltos - disse o prefeito.