Título: Epidemia chega à Zona Sul
Autor: Magalhães, Luiz Ernesto
Fonte: O Globo, 05/04/2008, Rio, p. 22

O "AEDES" ATACA

Seis bairros da região superam o limite de 300 casos por cem mil habitantes.

Aepidemia de dengue que atinge o Rio, com 39.380 casos notificados na capital até ontem, já chegou a bairros da Zona Sul, à Barra da Tijuca e ao Recreio dos Bandeirantes. Nessas regiões, a taxa de incidência da doença já superou os 300 casos por cem mil habitantes desde janeiro. O índice, segundo especialistas, é adotado pelo Ministério da Saúde para identificará regiões epidêmicas. Na Zona Sul, os bairros que estão acima deste limite são: Glória (911,1); Laranjeiras (314,8), Catete (515,6); Urca (637), Vidigal (532,1) e Rocinha (670,8). Depois deles, o bairro mais próximo da faixa crítica é Botafogo (288,8).

Levando-se em conta toda a Zona Sul, o total de casos chega a 2.829. Na divisão por cem mil habitantes, a menor taxa é a do Flamengo (161,4). Era na Zona Sul que morava o médico Daniel Lins Fernandes Alves, de 27 anos, que morreu esta semana com suspeita de dengue hemorrágica. Daniel dividia um apartamento com amigos no Jardim Botânico. Em números absolutos, o total de casos no bairro até é relativamente pequeno: foram 53 casos (dez em janeiro, 21 em fevereiro e 22 em março). Mas já está em 271 casos por cem mil. O total de óbitos confirmados na capital permanece em 44.

Na Barra da Tijuca, o índice chega a 412,2 casos por cem mil. Já no Recreio, 1.245,6 a cada cem mil moradores. Esses dois bairros são vizinhos a Curicica, líder em notificações: 11.957/cem mil - o que significa que, a cada cem pessoas, 12 contraíram a doença no bairro. Para o infectologista Roberto Medronho, da UFRJ, porém, a situação na Zona Sul pode ser muito pior do que a que aparece nas estatísticas:

- A taxa de 300 casos por cem mil é apenas uma forma de cálculo. A epidemia já pode até ter chegado a outros bairros. Os números oficiais da Secretaria municipal de Saúde não levam em conta outro critério mais confiável para se avaliar se existe uma epidemia, que é comparar o total de casos registrados em anos não epidêmicos com a situação atual - disse Medronho.

Atleta do Flamengo foi internado

Morador e atleta do Flamengo - na Zona Sul - o bicampeão mundial de ginástica, Diego Hypólito, está internado desde a última quinta-feira no Hospital Copa D"Or, com suspeita de dengue. De acordo com a mãe do atleta, d. Geni, Diego passa bem, mas os médicos decidiram mantê-lo sob observação. Apesar de apresentar sintomas da doença, como vermelhidão e dores no corpo, os dois primeiros exames realizados não comprovaram a suspeita.

Apesar das estatísticas, o secretário municipal de Saúde, Jacob Kligerman, reconhece apenas que existem áreas, como Jacarepaguá, mais expostas à transmissão do vírus que provoca a dengue. Mas diz que isso não ocorre tanto na Zona Sul. Ao analisar a situação da Zona Sul, porém, Kligerman trata da região como um todo, e não por bairros:

- A dengue nunca se apresenta distribuída de forma homogênea em todo o município. Observa-se áreas epidêmicas, como Jacarepaguá, que tem taxa de incidência elevadíssima e com óbitos, enquanto a AP2, que engloba os bairros da Zona Sul e tem uma população de 811.527 habitantes, não ultrapassou o parâmetro do Ministério da Saúde de 300 casos por cem mil habitantes.

O ex-deputado Paulo Pinheiro, que presidiu a Comissão de Saúde da Alerj e atualmente é assessor especial da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), tem a mesma avaliação de Medronho sobre o avanço da epidemia. Com base nas estatísticas diárias divulgadas pela Gerência de Vigilância Epidemiológica da Secretaria municipal de Saúde, ele traçou um quadro que destaca a evolução da epidemia pelos bairros. No dia 14 de março, quando a prefeitura confirmava apenas 17.691 casos, 55 dos 154 bairros da cidade (35,7%) registravam mais de 300 casos a cada grupo de cem mil habitantes. Naquele dia, a taxa de incidência média da capital estava em 306 por cem mil.. Doze dias depois (26 de março), quando 28.333 casos já tinham sido notificados, 86 bairros (55,8%) já apresentavam índices superiores a 300. Ontem, 21 dias depois da primeira data usada por Paulo Pinheiro como parâmetro para comparação, o número de bairros com índices epidêmicos chegava a 105. Ou 68,1% do total de bairros do Rio.

Na Zona Norte, por exemplo, entre os bairros com taxa superior a 300 casos por cem mil moradores, já se encontravam ontem: Jardim Carioca (543,6), Tijuca (636,2), Alto da Boa Vista (799,6), Maracanã (720,8), Vila Isabel (770,6), Andaraí (882,6) e Grajaú (535,4), entre outros.

Assim como Medronho, Paulo Pinheiro acredita que o quadro seja ainda pior por conta das subnotificações. E também devido à demora da prefeitura para atualizar as estatísticas. Embora os hospitais da prefeitura e do estado e as tendas de hidratação registrem uma demanda imensa dos pacientes, isto ainda não se refletiu nas estatísticas. Nos quatro primeiros dias deste mês, só foram notificados 25 casos. Em janeiro, foram 11.477, enquanto que em fevereiro, 13.608. As estatísticas da prefeitura confirmam o avanço dos casos em março, com 14.270 casos até ontem.

A diferença de interpretação entre a prefeitura e os especialistas também leva a divergências de informação em relação à situação da dengue nos bairros de menor poder aquisitivo de parte da Zona Oeste. O secretário Jacob Kligerman sustenta, por exemplo, que a chamada AP 5.1 (que engloba os bairros de Realengo, Padre Miguel e adjacências) não exibe números epidêmicos. Isso porque a média de casos é de 260,1 casos por cem mil moradores. Mas, se o critério for a subdivisão por bairros, a realidade muda. Estão com taxas superiores a 300: Jardim Sulacap (383,2), Realengo (381,2) e Padre Miguel (308,9 casos).

COLABOROU Selma Schmidt