Título: Mais lenha na fogueira
Autor: Novo, Aguinaldo; Rodrigues, Lino
Fonte: O Globo, 05/04/2008, Economia, p. 35

Em meio à polêmica sobre restrição de crédito, venda de carro no país sobe 31% e bate recorde.

As montadoras instaladas no país fecharam o primeiro trimestre com produção e vendas recordes, ainda embaladas pela explosão do crédito. A produção somou 783 mil automóveis de janeiro a março deste ano, 19,3% a mais do que nos três primeiros meses de 2007. Já as vendas no mercado interno chegaram a 648 mil unidades, contra 493,1 mil no ano passado - um salto de 31,4%. Só em março, foram vendidos 232,1 mil veículos, o melhor resultado histórico para o período. A divulgação do resultado chega num momento de discussão, dentro e fora do governo, sobre a necessidade de reduzir o ritmo de crescimento da economia.

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que manteve suas previsões para 2008 - alta de 8,9% da produção e de 17,5% das vendas-, voltou a garantir que tem condições de acompanhar o crescimento da demanda e que não há bolha de crédito.

- O setor acompanha a explosão da economia brasileira - disse o presidente da entidade, Jackson Schneider, que há duas semanas engrossou a comitiva das montadoras que pediu ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, para não adotar barreiras à expansão do crédito no país. - Um mercado de massa se forma com mais massa. Temos hoje uma condição sólida, segura e conseqüente.

Na reunião com Mantega, os empresários disseram que não poderiam manter os investimentos previstos para os próximos anos se não tivessem certeza sobre o avanço do mercado interno. Segundo a Anfavea, chegam a US$4,8 bilhões os investimentos programados pelas montadoras para este ano - a maior parte destinada ao aumento da capacidade produtiva.

Volume de crédito no setor aumentou 27% em fevereiro

O volume de crédito no setor segue com taxas de crescimento superiores a dois dígitos. Em fevereiro, o saldo alcançou R$83 bilhões, com aumento de 27,1% em relação a fevereiro de 2007. A taxa média de juros nos dois períodos foi de 21,1% ao ano.

O representante comercial Abílio Fernandes aproveitou as várias opções de oferta do mercado para trocar de carro. Ele trocou um modelo 1.0, fabricado em 2006, por outro 1.4, zero quilômetro, financiando a diferença em 18 vezes de R$900:

- Optei por um carro maior e mais potente, pagando uma diferença que cabe no orçamento. A oferta é tão grande que vale a pena trocar de carro agora - disse, destacando que as facilidades de financiamento e os juros mais baixos ajudaram na decisão.

Economistas divergem sobre explosão do consumo

O gerente da concessionária, Cristiano Moreno, disse que em março foram vendidos 1.200 veículos em sua loja, contra 900 em igual mês de 2007.

- Este é o melhor momento. Tem crédito farto e carro para entregar - afirmou, lembrando que 80% das vendas são financiadas.

Os defensores da tese de que é preciso desacelerar o ritmo da economia - encabeçados pelo Banco Central - dizem que há risco de desequilíbrio entre oferta e demanda, com conseqüências para o controle da inflação. O último relatório Focus, compilação de previsões do mercado financeiro, prevê uma alta na taxa básica de juros. Na avaliação das instituições Top 5 (as que mais acertam nas estimativas), o aumento deve ocorrer já na reunião deste mês do BC: de 11,25% para 11,50% ao ano.

- Não vejo lógica em falar de dificuldades para atender ao mercado. Também não vejo pressões inflacionárias a partir do nosso setor - disse Schneider.

Para o economista Júlio Gomes de Almeida, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), há a "falsa impressão" de que o consumo está explodindo. Ele argumenta que pesquisas divulgadas nos últimos dias (CNI e Fiesp) indicam leve queda na utilização da capacidade instalada da indústria. Para ele, o aumento de investimentos no ano passado já faz frente ao consumo.

Outros economistas, porém, acreditam que é preciso controlar a expansão do crédito, para que a demanda não avance além da produção. Nesse caso, dizem, medidas como redução dos longos prazos de financiamento - que, no caso de veículos, chegam a 90 meses - são bem-vindas.