Título: De volta à Taquaral das lingeries
Autor: Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 08/04/2008, Economia, p. 25
Atividade empreendedora no setor de moda íntima estanca êxodo da população
Henrique Gomes Batista
TAQUARAL DE GOIÁS (GO). O êxodo de adolescentes, comuns nas cidades pequenas do interior do país, não acontece mais em Taquaral de Goiás, município de quase quatro mil habitantes a 80 quilômetros de Goiânia. Há três anos, o empreendedorismo local inverteu a corrida por oportunidades nas capitais, e hoje a localidade repatria taquarelenses. Esta verdadeira época de ouro da cidade - sem desempregados - não é causada pela tradicional agricultura, que sempre impulsionou a economia. Atualmente, Taquaral cresce na sensualidade das lingeries, a nova marca local.
A mudança na história do município, que tinha tudo para cair numa depressão depois da falência da cooperativa de leite local, em 2003, é fruto da força de seus moradores. Desempregados e sem apoio governamental, eles seguiram o exemplo de prosperidade do veterano Geraldo Gontijo, que há 20 anos optou por costurar na cidade, após fracassadas tentativas de sucesso com a pecuária e o setor de construção civil. Ele decidiu mudar de ramo depois de uma experiência pouco empolgante como vereador.
- Precisava ganhar dinheiro e tentei a sorte com as confecções. Hoje, uma irmã e uma filha minha também têm confecção - disse Gontijo, que emprega 20 pessoas no galpão ao fundo de sua confortável casa.
Vagas abertas há seis meses
Segundo estimativas extra-oficiais, são mais de 200 confecções em Taquaral, incluindo as muito pequenas, quase familiares. Entre 80 e cem são consideradas "médias ou grandes" para os parâmetros taquarelenses, ou seja, possuem entre 15 e 40 máquinas de costura. Para estas, o problema é outro: a falta de pessoas para trabalhar. Algumas têm vagas abertas há seis meses para funcionários sem experiência, com salário de R$450 a R$600.
Se o objetivo for obter algum costureiro de mão cheia, na faixa salarial de mil reais, a procura é ainda maior: há casos de vagas abertas há um ano. Há igualmente uma grande rotatividade no mercado local, com "ataques especulativos" aos trabalhadores novatos, que os microempresários recrutam na roça.
- É comum donos de confecções pegarem nossos empregados oferecendo R$20 a mais por mês - afirmou Alex Divino de Araújo, que divide seu tempo entre a confecção própria, na qual emprega dez pessoas, e um emprego com carteira na recém-inaugurada loja de máquinas de costura da cidade, a primeira.
Araújo, de 26 anos, é um dos casos de taquarelenses que, na carona do sucesso da produção de calcinhas e sutiãs, voltou para a cidade - que é típica do interior, com uma grande praça com a prefeitura e a igreja, muito arborizada e com paralelepípedos em todas as ruas. Ele havia passado um tempo em Goiânia, mas retornou para viver o ciclo de ouro de sua terra natal e não se arrepende. Além do emprego fixo, tem faturamento mensal de R$30 mil com sua confecção - a Artebela -, o que lhe garante um lucro de cerca de R$10 mil por mês.
- Nunca vi Taquaral tão desenvolvida - disse.
Como a cidade não possui escola profissionalizante - uma das promessas do atual prefeito e candidato à reeleição, Welington Siqueira, o Belas - a maior parte dos empresários precisa treinar os próprios funcionários.
Da zona rural para a cidade
É o caso de Lourdes Pereira Celestino Gonçalves, de 30 anos, que há um ano trocou a roça por um emprego em uma confecção. Ela disse que a vida na família melhorou. Mora agora na zona urbana da cidade com os filhos de 10 e 13 anos e o marido, que continua trabalhando no campo:
- Tenho muito mais tempo para os meus filhos. Na roça não temos fim de semana.
A troca da zona rural pela cidade é cada vez mais comum em Taquaral, segundo Sônia Siqueira, repatriada e presidente da associação comercial local e proprietária da Regalia Jeans, uma das únicas confecções taquarelenses que não explora o filão das lingeries. Ela afirma que todos vendem seus produtos para outros estados, como São Paulo, Minas Gerais, Rio e Bahia, entre outros, através de revendedores que cada vez mais freqüentam Taquaral. Segundo Sonia, seus produtos chegam a 12 estados. Cada conjunto varia de R$3, os mais simples, a R$16, no caso da nova sensação, o sutiã com strass.
A explosão da fabricação de lingeries e roupas acirrou o senso de empreendedorismo de Taquaral e criou outras oportunidades. José Eduardo Felisberto Brasileiro, 43 anos, divide seu tempo entre cuidar das vacas e tocar uma fábrica de escovas. A atividade industrial, que fica literalmente no meio do curral, já garante uma renda mensal de R$3 mil a R$3,5 mil. Ele se queixa da falta de pessoal:
- Estou há quatro meses tentando contratar alguém e não consegui. Me divido, fico seis horas com minha família por dia na fabricação de escovas e outras três, quatro horas nos trabalhos da roça - disse Brasileiro, que fabrica cerca de 6 mil escovas por mês com nylon, sisal e pêlo de rabo de vaca.