Título: US$1 trilhão pelo ralo
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Fonte: O Globo, 09/04/2008, Economia, p. 19
FMI estima perda com crise nos EUA de pelo menos US$945 bi. Fed teme desaceleração severa
WASHINGTON e NOVA YORK
As perdas do sistema financeiro global com a crise das hipotecas de alto risco (subprime) chegam a quase US$1 trilhão, afirmou ontem o Fundo Monetário Internacional (FMI). Esse panorama desolador foi reforçado com a divulgação da ata da reunião do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) em 18 de março, na qual a autoridade monetária expressa sua preocupação com uma recessão profunda. O texto menciona uma "desaceleração severa e demorada na atividade econômica", justificando, assim, o corte de 0,75 ponto percentual efetuado na ocasião, que levou os juros a 2,25%.
Em seu relatório semestral sobre a estabilidade financeira global, o FMI calculou as perdas com a atual crise do crédito em US$945 bihões. Deste montante, US$565 bilhões referem-se a financiamentos residenciais (não apenas subprime) e US$240 bilhões, a papéis lastreados em imóveis comerciais. Já os empréstimos corporativos responderão por US$120 bilhões, e os financiamentos a consumidores, por US$20 bilhões.
Essa estimativa supera em muito as projeções de analistas de Wall Street, entre US$400 bilhões e US$600 bilhões. O organismo acrescentou, porém, que, por ser uma estimativa, o montante pode ser ainda maior.
Fundo disse se sentir humilhado
O FMI não apontou qualquer luz no fim do túnel. Pelo contrário, estima que o ajuste ainda levará algum tempo. "Os mercados financeiros prosseguem sob uma pressão considerável", afirma o documento. Por isso, o Fundo fez um apelo para que os governos ajam rapidamente para mitigar os riscos de um ajuste mais doloroso. Essa ação seria sob a forma de uma maior supervisão dos balanços dos bancos e até mesmo de uma intervenção, caso necessário.
- O desafio imediato de governos e instituições é conter e mitigar os riscos sistêmicos e o contágio econômico - afirmou Jaime Caruana, diretor do Departamento de Mercados de Capital do FMI, ao apresentar o relatório. - A deterioração do crédito se alastrou, atingindo os mercados de hipotecas residenciais e comerciais de alto nível.
Caruana disse ainda que o FMI se sentia "humilhado" por não ter percebido a tempo a escalada da crise do subprime. Mas ressaltou ter havido um "fracasso coletivo" na análise da crise, já que muitos analistas achavam que o problema do subprime ficaria restrito aos Estados Unidos.
Em seu relatório, o FMI disse temer uma retração global do crédito, à qual também estariam expostos os países ricos onde os preços dos imóveis estão inflacionados. "A atual turbulência não é uma mera circunstância relacionada com a liquidez, mas sim um reflexo de fragilidades fundamentais nos balanços e de uma capitalização deficitária, e isso significa que seus efeitos serão mais amplos, profundos e prolongados", afirmou o FMI. Foi o temor desses efeitos "profundos e prolongados" que ditou, em parte, a decisão do Fed no mês passado, com o maior corte de juros em 25 anos.
Os membros do Fed acreditam que uma recessão não pode ser descartada devido à "maior restrição na concessão de crédito e fraqueza no mercado imobiliário". Apenas dois - Charles Plosser, do Fed da Filadélfia, e Richard Fisher, de Dallas - manifestaram oposição ao corte. Eles temiam colocar mais lenha na fogueira da inflação, já que os índices voltaram a subir em março depois de recuar nos dois primeiros meses do ano.
A ata também fala em provável contração do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos) real no primeiro semestre deste ano, seguida por uma pequena alta no segundo semestre. "Esperava-se que o recém-editado pacote de estímulo à economia estimulasse o PIB real no segundo semestre de 2008, mas esse efeito só deve ocorrer em 2009", afirmou o texto da ata.
A ata do Fed cita como fatores preocupantes o enfraquecimento do setor imobiliário, a desaceleração do mercado de trabalho e um maior pessimismo de empresários e consumidores. O texto ressalta ainda as pressões no mercado financeiro, que devem restringir mais ainda a oferta de crédito a consumidores e empresas. O FMI estimou que o calote nas hipotecas subprime passe de 4% a 12% se houver recessão nos EUA.
A divulgação da ata do Fed abalou os mercados americanos. Em Nova York, o Dow Jones fechou em queda de 0,29%, enquanto o Nasdaq recuou 0,68% e o S&P, 0,51%.
Greenspan já vê recessão americana
O Fed vem reduzindo os juros desde setembro do ano passado, para tentar estimular a economia americana e evitar uma recessão.
Mas, na semana passada, o presidente do Fed, Ben Bernanke, admitiu ao Congresso a possibilidade de os EUA entrarem em recessão. Economistas apostam que o BC americano vai reduzir novamente os juros em sua próxima reunião, nos dias 29 e 30 deste mês. Já o ex-presidente do Fed Alan Greenspan disse ontem, em entrevista à rede CNBC, que os EUA já estão em recessão.
Além de cortar os juros, o Fed vem tomando várias medidas para combater a crise do crédito. Uma delas, citada na ata, foi o socorro ao banco Bear Stearns no mês passado. O Fed entrou com US$30 bilhões para que o banco, em crise, fosse comprado pelo rival JPMorgan.
O Fed também abriu uma linha de crédito para os bancos. Ontem foram oferecidos mais US$50 bilhões. Um dos bancos afetados pelo subprime, o Citigroup estaria perto de vender US$12 bilhões em créditos ruins a um grupo de investidores privados, informou ontem o "Wall Street Journal" em seu site.
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