Título: Ensino médio: o epicentro da crise
Autor: Souza, Paulo Nathanael Pereira de
Fonte: Correio Braziliense, 04/05/2009, Opinião, p. 11

Doutor em educação

Há décadas venho afirmando ser o ensino médio (que já foi secundário e de 2º grau, conforme as reformas da época) o punto dolens da crise educacional brasileira. Colocado na sequência dos graus da escolaridade formal, entre o ensino fundamental (que já foi primário, ginasial e de 1º grau) e o superior (que também já se chamou 3º grau), até hoje não conseguiu encontrar, nem seu objetivo, nem sua didática, razão pela qual foi sempre tratado como algo indefinido e gelatinoso, seja pelas reformas, seja pelos policy-makers e professores. Há quem nele veja ora o vestíbulo da universidade, e force o eruditismo de seus programas e saberes, ora o profissionalizante, com fins de preparo para o exercício laboral nos diversos setores da atividade econômica. Daí poder ser ele comparado à esfinge do caminho de Tebas, que repetia suas ameaças aos viajores, que por ela passavam: ¿Decifra-me ou devoro-te¿.

Recentemente, estampava a mídia, entre escandalizada e perplexa, o resultado de uma pesquisa levada a cabo pela Fundação Getúlio Vargas, segundo a qual os alunos do ensino médio (que somam hoje apenas um terço da população de 15 a 18 anos, isto é, da que deveria estar toda matriculada nesse grau de ensino) entregam-se à evasão em massa no decorrer do curso. E os motivos variados dessa debandada podem ser agrupados em três, a saber: 40% por desencanto e desinteresse pelo curso; 27% pela necessidade de trabalhar; 33% por razões outras, as mais diversas. Mas, o que chama mesmo a atenção, é esse universo dos 40% que abandona os estudos por não ver neles o mínimo interesse para suas vidas. É mais do que compreensível: as aulas são aborrecidas, sem motivação e centradas no saber não só desatualizado, como excessivamente teórico. É como se o aluno entrasse num túnel, que deveria levar ao futuro, e que, no entanto, leva ao passado. Ademais, as didáticas usam e abusam dos métodos discursivos e livrescos, sem o menor protagonismo dos jovens em relação aos temas abordados. O papel do professor reproduz o magister dixit, quase sempre sem didáticas inovadoras, como o uso competente da tecnologia moderna da comunicação em sala de aula; ou a capacidade docente para demonstrar ao estudante a aplicabilidade do saber no seu dia a dia existencial; ou ainda a iniciação do aluno na arte de pesquisar, via bibliotecas ou internet, os saberes que conduzem ao futuro, nesta era do conhecimento. E, por isso tudo, nem se poderá responsabilizar os professores, eis que também eles são vítimas da própria formação em faculdades que deixam muito a desejar.

No entanto, na atual LDB (Lei nº 9.394/96), artigos 35 e 36, os fins, bem como a natureza do ensino médio, encontram-se clara e competentemente delineados. Substantivamente, cabe a esse ensino consolidar e aprofundar conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, e aprimorar o educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. E, adjetivamente, poderá esse grau de ensino preparar basicamente o aluno para o trabalho e a cidadania, bem como para a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática no ensino de cada disciplina.

Aí está, como, aliás, deve ser na nossa era do conhecimento: preparação principal e pertinente, na Paideia; complementar nas áreas do trabalho e da tecnologia. Quando surgirem os especialistas capazes de transformar isso tudo em proveitosa prática escolar, teremos decifrado a esfinge e, certamente, dado ao ensino médio sua verdadeira finalidade, como instrumento de formação humana.