Título: As escolas invisíveis do Enem
Autor: Freitas, André; Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 10/04/2008, O País, p. 3

Colégios dizem que sofreram retaliação do MEC porque não deram dados sigilosos de alunos.

Oranking das escolas participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2007, divulgado pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) no último dia 3, gerou protestos de escolas particulares do Rio. Colégios conhecidos pelos altos índices de aprovação nos vestibulares - como o pH, o Centro Educacional da Lagoa (CEL) e o Pentágono - não apareceram na lista e acusaram o Ministério da Educação (MEC) de retaliação. As escolas dizem que foram punidas porque não enviaram para o Educacenso, o novo sistema de Censo Escolar, dados dos seus alunos, como os de raça e cor, e outros que consideram sigilosos, como endereço. O MEC, no entanto, alega que só foram excluídas da lista do Enem as escolas que não preencheram item algum do Educacenso. O site do Inep informa ainda que, para obter a nota do Enem 2007, a escola deve ter preenchido o Educacenso, além de ter um mínimo de dez alunos concluintes participando do exame.

O diretor administrativo do Colégio pH, Márvio Lima, disse que a escola foi prejudicada com a exclusão da instituição no ranking feito pelo Inep.

- Há um prejuízo de imagem incalculável quando sai uma lista de melhores escolas e nós não estamos nela. Também ficamos sem saber como nossos alunos se saíram no exame, e eles sem saber qual foi o desempenho da escola como um todo - reclamou Lima. - Os dados exigidos eram pessoais. O ministério criou para as escolas um impasse entre responder ao censo ou preservar a privacidade dos alunos e de seus pais.

Governo pediu até a raça dos alunos

A polêmica surgiu a partir das solicitação de que as escolas enviassem dados cadastrais para o Educacenso, como nome e endereço completo, CPF, identidade, cor e raça dos alunos. O diretor do CEL, George Cardoso, afirmou que não mandou os dados intencionalmente:

- Consideramos que é invasão de privacidade. O censo deve ser quantitativo, precisa saber quantos, e não quais. O IBGE quando vai à casa das pessoas pergunta quantos televisores elas têm, mas sequer pergunta o nome.

No dia 18 de dezembro de 2007, o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio de Janeiro (SinepeRio) enviou uma circular às escolas particulares do estado, alertando que o envio de dados pessoais ao governo poderia "acarretar conseqüências danosas ao informante". O documento também comunicou que as instituições poderiam, com autorização do ministro da Educação, responder aos itens do Educacenso que solicitam informações pessoais, com a opção "não declarado".

Responsável pela circular, o presidente do SinepeRio, Edgar Flexa Ribeiro, criticou o Ministério da Educação.

- Estive com o Reynaldo (Fernandes, presidente do Inep) e avisei que as escolas não podiam fazer aquilo com os pais dos alunos, que confiam dados aos colégios, e não aos governos. Ele me garantiu que elas poderiam então manter o sigilo de dados pessoais sem prejuízo algum. O governo deixou de fazer um censo e passou a fazer um cadastro - disse ele, que também acha que as escolas foram punidas. - Já prejudicadas, elas agora estão sendo coagidas pelo Ministério da Educação a colaborar com a invasão da privacidade das pessoas para o próximo Educacenso.

O Ministério da Educação (MEC) negou ontem que tenha havido qualquer tipo de retaliação às escolas. Segundo o MEC, os estabelecimentos de ensino não prestaram informações ao Educacenso, e por isso estão fora da banco de dados do governo, usado para a divulgação dos resultados do Enem. A assessoria do MEC informou que, se a escola preencheu apenas parte do censo, foi incluída na lista do Enem.

O diretor do Pentágono, Paulo Armando Areal, diz que seu colégio mandou os cadastros e, mesmo assim, não entrou no ranking do Enem 2007:

- Eu acho que o Inep está nos ameaçando. Como se dissesse: "Se não me mandarem o cadastro eu não mando as notas". Embora eu não concorde com as solicitações, cumpri o que foi pedido. Já se passaram oito meses desde o envio dos dados. Será que não tiveram tempo para me dizer o que está faltando?

O presidente do Inep, Reynaldo Fernandes, criticou a recusa das escolas em prestar informações ao Educacenso no ano passado:

- É lamentável que essas escolas não tenham preenchido (o Educacenso). Isso afetou muito as nossas informações. É um desserviço às estatísticas e à educação do país - disse Fernandes. Segundo ele, há casos em que o estabelecimento de ensino assinalou que tinha apenas um aluno matriculado. O objetivo seria cumprir uma formalidade, mas sem efetivamente informar nada.

O Inep explicou que, por conta de reclamações das escolas, chegou a prorrogar o prazo para o preenchimento do censo e retirou a obrigatoriedade de informar raça e endereço do aluno. Na versão inicial, as informações eram obrigatórias.

Para calcular a nota da escola no Enem, o Inep precisa saber o número de estudantes matriculados. Isso porque nem todos fazem a prova, que é voluntária. Fernandes estima que cerca de 10% das matrículas de educação básica no setor privado possam ter ficado de fora do Educacenso por conta desse expediente ou mesmo pela decisão das escolas de não participar. Isso, segundo ele, levou o governo a editar decreto tornando obrigatória a participação dos colégios particulares.

O Inep divulga os resultados do Enem por escola desde 2005. Segundo o instituto, nos últimos três anos só foram divulgados os conceitos dos estabelecimentos que preencheram o formulário do censo. O Educacenso, porém, começou a funcionar no ano passado. A exigência do nome e dos dados pessoais dos alunos têm como alvo principal a rede pública, com o intuito de evitar alunos fantasmas. Isso porque o número de matrículas influencia o repasse de recursos.