Título: Inflação em alta, juros idem
Autor: Schreiber, Mariana; Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 10/04/2008, Economia, p. 25

IPCA sobe 0,48% em março com pressão de alimentos. Analistas prevêem que BC elevará Selic

Era a notícia que faltava. Depois de o Banco Central (BC) passar semanas manifestando preocupação com a alta dos preços e indicando um provável aumento da taxa básica de juros (Selic) para conter o consumo interno, o IBGE divulgou ontem que a inflação continua acelerada. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou março em 0,48%, a maior taxa para o mês desde 2005 (0,61%) e acima da expectativa do mercado, de 0,35%.

Nos últimos 12 meses, o IPCA acumula alta de 4,73%, acima do centro da meta de inflação de 4,5% estabelecida pelo BC para 2008. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação para as famílias mais pobres, subiu 0,51% em março e, nos últimos 12 meses, apura variação de 5,50%. Para economistas, o resultado da inflação em março reforçou as expectativas de que o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC aumentará a Selic, hoje em 11,25% ao ano, já na sua próxima reunião, semana que vem.

Índice anual deve atingir 5,2% em abril

O principal vilão do IPCA continuam sendo os alimentos, que ficaram 0,89% mais caros em março e foram responsáveis por 40% da alta do IPCA. Nos últimos 12 meses, os alimentos já subiram 11,2%. Segundo a coordenadora de índices de preços do IBGE, Eulina dos Santos, os alimentos estão pressionados pela forte demanda externa e pelo aquecimento do consumo interno. Item importante na cesta de compras do brasileiro, o pão francês ficou 4,24% mais caro no último mês, refletindo a alta acumulada de 4,22% no preço da farinha de trigo em 2008.

- A cada dia, o preço do pãozinho está mais caro - reclamou a auxiliar de enfermagem Iris Martins, que compra oito pães por dia.

O economista da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha lembra que a alta dos alimentos é um fenômeno mundial. Com problemas para atender à demanda interna, alguns países estão até proibindo exportações, como fez a Argentina, no caso do trigo, e países asiáticos, no caso do arroz.

- O dilema brasileiro atinge diversos países emergentes. A Austrália já aumentou juros, e a Índia estuda fazer o mesmo - afirmou.

No mercado financeiro, se antes os analistas se dividiam entre os que ainda viam espaço para a manutenção dos juros básicos e os que previam uma alta de 0,25 ponto percentual, agora já há apostas de que a taxa vá subir meio ponto percentual na semana que vem. Ontem, os contratos de juros futuros negociados entre bancos voltaram a subir: a taxa para maio fechou a 11,36% anuais. Isso significa que os operadores atribuíam uma chance de 87% para que o BC suba os juros em meio ponto percentual.

- Os juros futuros vêm subindo desde a ata da última reunião do Copom. Em seguida, o Relatório de Inflação do BC reforçou essa expectativa. Agora, a inflação mostrou as garras - resumiu Carlos Cintra, gerente de renda fixa do Banco Prosper.

Entre os economistas, a maioria prevê alta de 0,25 ponto percentual na Selic. Carlos Thadeu de Freitas Filho, da SLW Asset, acredita que o BC primeiro vai testar o mercado com uma leve alta dos juros.

- O resultado do IPCA confirmou os alertas do BC. E não vai haver trégua em abril. O IPCA deve subir 0,50% este mês, o que levaria a taxa acumulada em 12 meses para 5,20%, bem acima da meta - afirmou.

Fazenda esperava IPCA menor

Em abril, a inflação deve ser pressionada pelo reajuste dos medicamentos, pelos efeitos da alta do aço em automóveis e eletrodomésticos, pelo aumento das tarifas de metrô no Rio e de água e esgoto em Porto Alegre, disse Eulina dos Santos, do IBGE.

Elson Telles, economista da corretora Concórdia, chama atenção para a alta, em março, de 0,39% nas três medidas de núcleos de inflação acompanhadas pelo BC. O dado indica que, embora a principal pressão venha dos alimentos, a alta de preços é generalizada. Telles considera certa a elevação da Taxa Selic e prevê um aumento de 0,25 ponto percentual.

A alta da inflação surpreendeu até mesmo o Ministério da Fazenda. Para o IPCA de março, a Fazenda esperava algo entre 0,30% e 0,40%. Mesmo assim, técnicos da equipe ainda afirmam que o quadro está sob controle e pode ser revertido nos próximos meses.

- Essa puxada nos preços dos alimentos pode ser revertida mais adiante - explicou uma fonte.

O técnico afirmou ainda que outros elementos, como a valorização do real, têm contribuído para amortecer a alta dos alimentos. E a utilização da capacidade instalada da indústria caiu entre janeiro e fevereiro, o que significa que as empresas têm condições de atender à demanda interna.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e os interlocutores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na área econômica vêem que mudanças na política monetária só devem ser definidas depois que estejam claros os efeitos da crise internacional sobre a economia brasileira. O argumento é que é preciso esperar para ver o quanto os preços de commodities no exterior - que têm impacto sobre a inflação e sobre as exportações - e o crescimento doméstico serão afetados pela crise americana.