Título: Consumo de álcool no país supera o de gasolina, o que não ocorria desde 1995
Autor: Ordoñez, Ramona; Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 10/04/2008, Economia, p. 29

Lula cria grupo para defender etanol brasileiro contra "campanha internacional"

RIO e HAIA, Holanda. Pela primeira vez em 13 anos, o consumo de álcool combustível no país superou o da gasolina pura. As companhias que fazem parte do Sindicato das Empresas Distribuidoras de Combustíveis (Sindicom) venderam, em março, 989,8 milhões de litros de álcool anidro (que é misturado à gasolina) e hidratado. Já o total de gasolina pura vendida no mês foi de 965,2 milhões de litros.

As empresas ligadas ao Sindicom respondem por 76% do mercado. Segundo o gerente do Sindicom, César Guimarães, quando forem divulgados os dados totais, a situação será a mesma. O consumo do álcool foi maior que o da gasolina entre 1985 a 1995, durante o antigo Proálcool.

O presidente da BR, José Eduardo Dutra, disse que a inversão é natural, pois 21% da frota nacional de veículos são flex. Ele garantiu que isso não pesa na decisão da Petrobras de reajustar ou não os preços da gasolina. Mas, semana passada, o diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, admitiu que isso tem de ser considerado. Dutra disse ainda que, caso a Petrobras compre os postos da Esso no Brasil, a BR não chegará à metade do mercado de distribuição: terá 45%.

Enquanto isso, o Brasil defende seu etanol no exterior. O governo vai organizar, por ordem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um contra-ataque no exterior ao que chamou de "campanha internacional" contra o etanol brasileiro: discursos e artigos na mídia estrangeira ligando o sucesso na produção do biocombustíveis no país a morte de trabalhadores, trabalho infantil, desmatamento da Amazônia e escassez de alimentos no mundo.

Lula determinou a criação de um grupo de trabalho, envolvendo vários ministérios, produtores e distribuidores, para tentar frear as críticas. A decisão foi tomada após uma conversa de Lula com ministros, como Miguel Jorge, do Desenvolvimento, e Celso Amorim, das Relações Exteriores, na ida à Holanda. O presidente desembarcou ontem no país para uma visita oficial de dois dias.

- Tenho a convicção de que é protecionismo europeu clássico. É um sinal de que o etanol começa a incomodar - disse Miguel Jorge.

A gota d"água foi a reportagem de capa da revista "Time", há duas semanas, afirmando que o Brasil é um exemplo "da dinâmica destrutiva dos biocombustíveis". Segundo a revista, biocombustíveis como o etanol estão elevando os preços de alimentos e intensificando o aquecimento global. No fim de 2007, a revista "Bloomberg Markets", na reportagem "O fermento mortal do etanol", citou a morte de 312 trabalhadores em canaviais no Brasil entre 2002 a 2005.

Ano passado, o então líder cubano Fidel Castro afirmou em artigo que os biocombustíveis levariam à fome. Há uma semana, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, acusou Brasil e EUA de fazer dumping com o etanol. E, segunda-feira, o economista Paul Krugman afirmou, em artigo no "New York Times", que o etanol eleva os preços de alimentos e agrava o aquecimento global.

Lula já vê alguns efeitos negativos, como a decisão recente da Alemanha de recuar no aumento, a partir de 2009, de 5% para 10% na proporção de etanol na gasolina. Até o relator especial da ONU para Direito à Alimentação, Jean Ziegler, afirmou em relatório que o aumento da produção de etanol pode agravar a fome no mundo.

Para Miguel Jorge, por trás da campanha há produtores de petróleo e de etanol a partir de outras fontes.