Título: Uma tocha para poucos
Autor:
Fonte: O Globo, 10/04/2008, O Mundo, p. 31
Temendo confrontos, São Francisco altera trajeto e isola população com mega-esquema de segurança
SÃO FRANCISCO
Depois de gerar cenas de violência em Londres e chegar a ser apagada em Paris, a tocha olímpica ontem foi vista por poucos em São Francisco. Para evitar confrontos entre a grande comunidade chinesa e manifestantes contrários à realização dos Jogos em Pequim, a prefeitura da cidade americana alterou totalmente o trajeto da chama olímpica, montou um esquema de segurança com centenas de policiais em torno da tocha e chegou a cancelar a cerimônia de despedida do que era para ser um festa esportiva. Depois de horas de tensão, restou apenas a decepção do público.
Milhares de chineses ou descendentes, carregando bandeiras do país, se reuniram em pontos programados para ver a passagem da tocha. Um grande número foi levado por ônibus alugados pelo consulado chinês na cidade, que tem um imensa população de origem chinesa: um quinto de seus habitantes. Muitas outras pessoas, carregando bandeiras do Tibete, fotos do Dalai Lama ou faixas protestando contra o apoio de Pequim ao Sudão, também foram para o trajeto da chama.
Houve conflitos durante o dia. Christine Lias, 30 anos, ia ver a tocha e gritou, ao ver bandeiras da China:
¿ Libertem o Tibete já.
Ela foi rapidamente cercada por 30 chineses, muitos deles gritando:
¿ Mentirosa, envergonhe-se.
Houve muitos relatos de grupos de chineses tentando tirar bandeiras do Tibete da mão de manifestantes. Alguns revidaram. Porém, houve só uma prisão e a polícia afirmou que houve apenas pequenos distúrbios. As manifestações contrárias aos Jogos na China começaram ainda na noite anterior, com um comício liderado pelo ator Richard Gere e o bispo Desmond Tutu.
Após ser apresentada ao público em McCovey Cove, a tocha deveria percorrer a avenida Embarcadero. Porém, em vez disso, foi levada para um prédio, desaparecendo da vista do público por mais de meia-hora.
Ela reapareceria, sem qualquer aviso, na Avenida Van Ness, a mais de três quilômetros de distância. A estranha passagem da tocha pelos EUA começava. A chama era carregada por atletas logo atrás de um ônibus e poucos metros à frente de um carro da polícia. Ao lado dos atletas, havia uma linha de policiais fardados, depois uma fila de agentes da polícia em motos e uma segunda linha de policiais a pé. Durante grande parte do percurso, havia mais policiais do que público em torno da tocha. Apenas alguns poucos turistas, surpresos, aproveitavam para tentar tirar fotos da tocha.
A chama foi o tempo todo levada por pares de atletas, que a carregavam por trechos que não excediam meio quarteirão. Só no fim do novo percurso algumas pessoas que queriam ver a tocha alcançaram a chama.
Brown não irá na abertura dos Jogos
Apesar de milhares de pessoas estarem reunidas na Justin Herman Plaza à espera da cerimônia de despedida, os organizadores preferiram colocar a chama novamente dentro de um ônibus e cancelar a festa. Uma solenidade substituta foi feita no aeroporto internacional de São Francisco, onde a tocha foi embarcada para a Argentina, a próxima parada da confusa viagem da chama olímpica pelo mundo.
Três dias após a violenta passagem da tocha por Londres, o premier britânico Gordon Brown anunciou ontem que não participará da cerimônia de abertura dos Jogos.
A decisão de mudar o itinerário foi muito criticada, tanto por defensores dos Jogos na China quanto críticos.
¿ Acho que foi uma medida covarde. Se eles não podem correr com a tocha pela cidade, significa que ninguém está apoiando este Jogos ¿ disse Matt Helmenstine, um professor americano de 30 anos.
¿ Acho que fomos enganados. O significado do revezamento da tocha é mostrar a todo o mundo que nosso país está realizando as Olimpíadas ¿ disse Michael Huo, um engenheiro chinês que trabalha no Vale do Silício.
O prefeito de São Francisco, Gavin Newsom, se defendeu:
¿ Analisamos a situação e sentimos que não era possível garantir a segurança da tocha e proteger os manifestantes e quem defende os Jogos.