Título: Reitor da Unifesp usou cartão em hotel da Disney
Autor: Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 14/04/2008, O País, p. 3

CPI tenta ganhar sobrevida com a análise de novos dados sobre gastos feitos no exterior

BRASÍLIA. Novos documentos recém-chegados podem dar sobrevida à CPI do Cartão Corporativo. A papelada revela, entre outras coisas, que ministros e funcionários de escalões mais baixos gastaram quase R$1 milhão em viagens ao exterior. A CPI pretende analisar gasto a gasto, mas os documentos a que o GLOBO teve acesso já são suficientes para complicar a vida de um personagem da crise: o reitor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ulysses Fagundes Neto, que usou o cartão para pagar aluguéis de carros; compras em lojas de material esportivo, roupas, eletrônicos e cosméticos; e até um hotel cinco estrelas dentro da Disney World, em Orlando.

Em pouco mais de um ano e meio, Neto torrou quase R$80 mil pelo mundo. Com a justificativa de representar a universidade em congressos e encontros, esteve em Portugal, Espanha, Alemanha, Estados Unidos, Argentina, Canadá, México e China. Mas, segundo a Controladoria-Geral da União (CGU), que investiga o reitor, em pelo menos duas oportunidades ele não comprovou participação nos eventos. Os novos dados permitem dizer que ele fez outras viagens a turismo. Procurada, a assessoria do reitor não retornou as ligações.

Em junho de 2006, Neto fez uma viagem de 11 dias a Alemanha, durante a Copa do Mundo. Nos dias 14 e 15 daquele mês, gastou R$2,2 mil com o cartão em compras na NikeTown, megastore da marca de material esportivo, em Berlim. Ainda no dia 15, esteve na Sport Performance, loja do mesmo porte da Adidas, onde pagou R$256. A viagem seria para ele participar de um congresso e de uma visita a um laboratório de medicamentos, mas segundo a CGU "não há qualquer material que comprove nenhuma das duas atividades".

Em outubro daquele ano, o destino foi a Flórida, nos EUA. Em Miami, Neto usou o cartão para uma compra de R$306 no Bayside Brush, misto de salão de beleza e loja de cosméticos. No dia 21, pagou R$744 pelo aluguel de carro na Alamo Rent-a-car. No dia seguinte, R$3,1 mil no Buena Vista Palace, hotel que oferece campos de golfe, cassino e jantar com personagens da Disney.

No geral, os cartões corporativos federais foram usados em cerca de 900 transações no exterior. O total gasto foi de R$927,8 mil - média de R$1.030 por operação. O levantamento inclui compras feitas desde 2002. Parte do último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, quando havia poucos cartões em circulação, e cinco anos e três meses da gestão Luiz Inácio Lula da Silva, que aumentou o número de cartões em substituição às chamadas contas tipo B, mais difíceis de fiscalizar.

Parte da oposição espera que esses novos dados dêem novo fôlego à CPI do Cartão, onde o governo, em maioria, conseguiu barrar boa parte dos requerimentos de informações. Os gastos com os mais de 11 mil cartões que estão nas mãos de servidores públicos já estão listados no Portal da Transparência, da CGU. Mas, ao obter as informações em planilhas enviadas pelo Banco do Brasil, integrantes da CPI puderam, pela primeira vez, fazer cruzamentos como o que permitiu, por exemplo, separar as transações feitas no exterior.

- Quando começamos a analisar os dados, percebemos o quanto ainda há de material fértil - diz o deputado Índio da Costa (DEM-RJ), da CPI.

A Universidade Federal do Paraná responde pelos maiores gastos no exterior: R$649 mil. Ao contrário das compras do reitor da Unifesp, porém, os representantes do Paraná concentram despesas em empresas de pesquisa científica e em outras universidades, nos EUA, Inglaterra e Canadá, aparentemente ligadas a atividades acadêmicas.

Ministros e ex-ministros do governo Lula utilizaram o cartão no exterior, em datas de agenda oficial. Orlando Silva (Esporte) gastou R$394 em diárias de hotéis no México e na Inglaterra. O ex-ministro Miguel Rosseto (Desenvolvimento Agrário) gastou outros R$978. Pagou, entre outras coisas, diárias em Cancún, onde participou de reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC). A ex-ministra Matilde Ribeiro, que perdeu o cargo por gastos irregulares com o cartão, utilizou-o em contas num restaurante no Senegal, em novembro de 2006, quando recebeu uma homenagem. Uma delas foi de R$544, no restaurante Le Niambour.