Título: O colapso na Saúde
Autor: Braecher, Lisiane; Peixoto, Roberta Trajano
Fonte: O Globo, 11/04/2008, Opinião, p. 7
Acrise da dengue evidenciou duas falhas na saúde do estado: de prevenção e assistência. A incidência da doença deveria diminuir pelo controle do mosquito, e a assistência deveria ser garantida por um plano de contingenciamento e uma rede de serviços de saúde adequados.
Para combater a proliferação do mosquito, o Estado do Rio de Janeiro conta com mais de 5 mil agentes contratados ¿temporariamente¿ por sucessivas vezes pela Funasa, até que a Emenda Constitucional nº 51 garantiu sua permanência nos quadros públicos. Em nenhum outro estado há agentes contratados pelo Executivo federal. Embora pague seus salários, o Ministério da Saúde os cedeu à Secretaria de Estado, que os distribui pelos municípios sem critérios objetivos, deixando a fiscalização para os municípios. Faltam agentes no município do Rio de Janeiro e sobram na Baixada Fluminense, que mesmo assim não está livre da dengue.
Para adequar o número de agentes de endemia e o cumprimento do Programa Nacional de Controle da Dengue, inclusive do plano de contingenciamento em caso de epidemia, o Ministério Público Federal e o Estadual ajuizaram ação civil pública em janeiro de 2006, contra município, estado e União. A Justiça Federal acolheu o pedido liminar, mas a decisão não foi cumprida. Reiteramos o pedido de multa repetidamente, noticiando a altíssima infestação predial e a mortalidade bem além da aceitável.
Apesar da decisão judicial e do aumento de casos em setembro de 2007, muito maior que de anos anteriores, nenhuma medida foi tomada contra a epidemia. O plano de contingenciamento do município do Rio de Janeiro, segundo o Ministério da Saúde, está de acordo com sua portaria nº 2.124/02. A epidemia, as mortes e as filas provaram que o plano era peça de ficção.
O Ministério da Saúde já sabia disso, tanto que admite agora que as unidades básicas são inferiores às necessárias para a população, que há registros de dificuldade de acesso e também a baixa cobertura do Programa de Saúde da Família (menos de 10% da população, uma das mais baixas do país). O que o município e o Ministério da Saúde fizeram para mudar essa realidade? Embora o município descumpra desde 2005 o prazo de ampliação das equipes de saúde da família, o Ministério da Saúde prorrogou o prazo mais uma vez.
A epidemia evidenciou o colapso já existente na saúde do município do Rio de Janeiro. Os pacientes com dengue hoje se somam aos pacientes renais crônicos, diabéticos, tuberculosos, cardíacos e toda população doente que, sem planos de saúde, já não tinha atendimento antes da epidemia. O Ministério da Saúde sabia do problema de assistência no município, pelas emergências em seus hospitais, superlotadas pelos desassistidos dos postos de saúde. No entanto, insiste em restringir seu papel à definição de políticas e repasse de recursos, isentando-se de fiscalizar, indicar falhas e apontar soluções.
O cidadão só terá direito à saúde quando o município sair de sua inércia no cumprimento do dever de organizar a rede de serviços de saúde e a União cumprir seu dever de controlar, avaliar e fiscalizar as políticas que cria e financia.
LISIANE BRAECHER e ROBERTA TRAJANO PEIXOTO são procuradoras da República.