Título: Na UTI, Rafaella pedia para não morrer
Autor: Cunha, Ary
Fonte: O Globo, 11/04/2008, Rio, p. 16

Família está arrasada com a perda da caçula. Município registra mais dois óbitos.

Com mais duas mortes por dengue confirmadas ontem, sobe para 48 o número de óbitos no município este ano. No estado, já são 81, apenas dez a menos que a epidemia de 2002, quando 91 pessoas morreram. A mais recentes vítimas a entrar nas estatísticas foram um idoso de 81 anos, morador do Méier, que morreu em 20 de março no Hospital Salgado Filho; e uma mulher de 55 anos, moradora de Vila Isabel, que faleceu em 16 de março. A Secretaria municipal de Saúde também já registrou a morte da menina Rafaella Cristine Cavalcante de Vasconcelos, de 6 anos, que morreu anteontem no Hospital Santa Cruz, em Niterói. Moradora de Senador Camará, a menina fora transferida para Niterói por não encontrar vaga no Rio. Na capital foram registrados mais 1.549 casos em 24 horas, totalizando 47.012 este ano.

Um misto de tristeza e medo tomou conta da família de Rafaella. A menina passou 21 dias internada na UTI pediátrica. O sepultamento foi ontem, no Cemitério de Campo Grande. Segundo tias, a caçula lutava contra a dengue desde meados de março, quando, após ter a doença diagnosticada no hospital materno-infantil Serv-Baby, em Padre Miguel, acabou transferida para a UTI pediátrica do Hospital Santa Cruz, em Niterói.

A família culpa a prefeitura pela epidemia. Em entrevista ao GLOBO, uma das tias da menina, Leda Cavalcante, de 40 anos, fez um apelo emocionado às autoridades para que intensifiquem as ações na Zona Oeste:

¿ Olhem pela Zona Oeste! Aqui estão morrendo muitas crianças. Minha sobrinha era uma menina maravilhosa, cheia de vida. Nos doeu muito ver como ela sofreu e gritou de dor por causa da dengue. Ela não queria nem merecia morrer daquele jeito. Agora tenho medo de meu filho, de 14 anos, e meus sobrinhos também serem picados. Já soubemos de outras mortes na vizinhança.

Segundo Leda, os atendimento nos posto de saúde da prefeitura e nas tendas da região deixam a desejar:

¿ Os médicos estão perdidos, não sabem o que fazer. As tendas não são apenas o que a TV mostra. Não é só sorinho não, as crianças sofrem muito, gente. É muita dor.

Sob efeito de sedativos, a mãe de Rafaella, a locutora de supermercado Ieda Cavalcante, não quis dar entrevista. Outra tia da menina, Roberta Cavalcante, de 26 anos, contou que Rafaella precisou ser entubada várias vezes para conseguir respirar, mas passou boa parte do tempo consciente, reclamando de dor:

¿ Em muitos momentos a Rafaella dizia que não queria morrer. Era uma menina muito forte, alegre, que estava aprendendo a ler e escrever ¿ lamentou Roberta, que agora teme pela sorte de seus dois filhos, Wallace Gabriel, de 6 anos, e Pâmela, de 2.

Segundo o superintendente de Vigilância em Saúde do estado, Victor Berbara, as crianças que já tiveram contato com o vírus da dengue na epidemia de 2002 ficaram suscetíveis à forma mais grave da doença. De acordo com Berbara, 30% dos óbitos são de crianças até 10 anos. Ele lembra que, na última epidemia, as crianças com idade entre 5 e 9 anos tiveram contato com o tipo 3 da doença. Ainda de acordo com Berbara, em lugares como o sudeste da Ásia, onde circulam os quatro tipos de vírus, a dengue é considerada uma doença infantil.

¿ As crianças têm mais fragilidade no sistema imunológico ¿ acrescentou.