Título: Entre o fogo e o gelo
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 11/04/2008, Economia, p. 23
AMEAÇA GLOBAL
FMI alerta para alta da inflação, puxada por alimentos, que, para Bird, ameaça pobres
Odiretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, afirmou ontem que o efeito da atual crise financeira global - deflagrada pelos EUA - é que, em termos de política econômica, todos os governos ficarão acuados entre duas situações incômodas a partir de agora: de um lado a desaceleração do crescimento; e de outro o risco de aumento significativo da inflação, puxada pela disparada dos preços dos alimentos, o que, segundo o Banco Mundial (Bird), ameaça o processo de redução da pobreza que os países em desenvolvimento conseguiram implementar nos últimos dez anos.
- A situação em que estamos é entre o gelo e o fogo. Esses são os dois riscos. Os responsáveis pela política terão de escolher algo entre ambos. Qualquer política econômica terá que se definir agora entre esses dois pontos - disse Strauss-Kahn.
Ele advertiu que o mundo está diante da perspectiva de "uma séria desaceleração no crescimento econômico", porque o fator que desencadeou a atual crise continua em desenvolvimento: ainda não se tem uma dimensão completa do problema das hipotecas de alto risco nos EUA.
- E há outros riscos, como o do aumento da aversão a riscos. Isso faz com que possamos esperar por custos mais altos de financiamento em geral. Há um outro risco ligado à repentina paralisação, ou pelo menos uma diminuição aguda, nos fluxos de capital para os países emergentes. Algumas dessas economias são muito dependentes de injeções de capital. Um último risco, obviamente, é o de uma sustentação de altos índices de inflação, devido ao preço das mercadorias - advertiu ele.
Strauss-Kahn ponderou que, embora haja um diagnóstico generalizado, comum a todos, não existe uma solução única:
- Cada política terá de ser feita sob medida, de acordo com a situação de cada país.
Segundo o executivo, o FMI volta a ter um papel útil no cenário mundial em função dessa crise. O primeiro passo seria o de "entender melhor as conexões entre o que está acontecendo no setor financeiro e o que aconteceu na economia real".
- Esta não é uma crise de conta corrente nem uma crise de conta de capitais. Se queremos entender melhor o que acontece, temos que ver quem está mais bem equipado, mais bem preparado, para dar uma explicação. E não há nenhuma outra instituição, a não ser o FMI, para trabalhar sobre as conexões entre o setor financeiro e a economia real - disse ele.
Ao ser confrontado por um jornalista britânico, que lhe perguntou como alguém poderia "ter fé no FMI", depois de o Fundo ter sido parte do problema, por ter incentivado a desregulamentação dos mercados de capital que culminou em procedimentos como as hipotecas de alto risco (subprime), Strauss-Kahn retrucou:
- Se você ler o que publicamos um ano atrás, verá que o que aconteceu agora com o mercado de subprime tinha sido descrito por nós.
Strauss-Kahn ressaltou, com ironia, uma atitude dos EUA que, como insinuou, pode ter contribuído para a atual crise, ao fugir de uma monitoração do Fundo:
- O que é interessante é o fato de que até poucas semanas atrás o governo dos EUA recusou ter um Programa de Avaliação do Setor Financeiro (do FMI) em seu país. Não estou dizendo que, se isso tivesse sido feito há um ou dois anos, teríamos sido capazes de dizer tudo o que devíamos sobre o sistema financeiro dos EUA, mas pelo menos não podemos ser responsabilizados pela falta de supervisão onde a crise começa porque o nosso principal instrumento para fazer tal supervisão não foi usado no país.
Zoellick pede ajuda do Brasil
Já o presidente do Bird, Robert Zoellick, lançou ontem um dramático apelo à comunidade internacional, em busca de providências urgentes - e conjuntas - para conter o aumento dos preços dos alimentos, que há 36 meses crescem a pleno galope, devido inclusive a especulações no mercado financeiro, mais freqüentes após o início da crise do subprime.
- Nos EUA e na Europa estamos desde o ano passado focalizados nos preços da gasolina no posto. E enquanto muitos se preocupam em encher o tanque de seus carros, muitos outros ao redor do mundo estão lutando para encher os seus estômagos. E isso está se tornando cada dia mais difícil de fazer - disse Zoellick, cobrando o fim dos subsídios à produção de alimentos e de biocombustíveis, apontados como outras causas da alta dos preços.
Zoellick disse ainda que seria bom que o Brasil - "que contribui generosamente para programas contra a pobreza" - também pudesse participar desse processo:
- O Brasil tem sido um grande produtor agrícola, e uma das coisas que seu governo tem nos oferecido seria compartilhar o seu conhecimento em pesquisas agrícolas para ajudar a expandir a produção na África.