Título: COI já fala em crise e critica China
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 11/04/2008, O Mundo, p. 30

Dirigente do Comitê Olímpico cobra compromisso com direitos humanos e irrita Pequim.

Numa inesperada condenação pública à violência no Tibete e à falta de liberdade de imprensa na China, o presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Jacques Rogge, reconheceu ontem que as manifestações populares contra os Jogos Olímpicos de Pequim em Londres, Paris e São Francisco representam uma crise. As declarações foram feitas durante uma entrevista coletiva realizada na capital chinesa, e motivaram uma reação do Ministério das Relações Exteriores do país.

- É uma crise, não há dúvida a respeito disso - disse Rogge, ontem.

O presidente do COI relembrou que a China, ao conquistar o direito de sediar as Olimpíadas, se comprometeu moralmente a respeitar os direitos humanos. Ele frisou que, como representante de uma entidade esportiva, não tinha como exigir ações do governo chinês, mas deixou claro o desagrado da comunidade esportiva internacional com a repressão do Tibete.

- Na proposta chinesa, os representantes disseram que dar à China a possibilidade de sediar os Jogos faria o país avançar na agenda social, inclusive na questão dos direitos humanos. Isto é o que chamaria de promessa moral, não jurídica - disse ele. - Eu, definitivamente, pediria à China que respeite este compromisso moral.

O dirigente, porém, frisou que o movimento olímpico internacional já passou por "tormentas piores", citando os boicotes políticos de 1976, 1980 e 1984 e o massacre de israelenses em 1972.

Com as críticas à China ultrapassando apenas a questão do Tibete e alcançando também o apoio diplomática e material de Pequim aos governos de Sudão e Mianmar, Rogge teve que responder a perguntas relativas à decisão do COI em conceder a realização dos Jogos Olímpicos ao país.

- Olhando pelo retrovisor, é fácil criticar a decisão, dizer agora que não foi uma decisão sábia e sensata - disse Rogge. - Pequim claramente tinha a melhor candidatura, e o país tem um quinto da população mundial. Esta foi a razão para escolher Pequim como sede dos Jogos.

Ban Ki-moon não deve ir à abertura

O presidente do COI também mencionou a falta de liberdade de imprensa. Apesar de o país ter se comprometido em permitir que a imprensa tivesse as mesmas condições de trabalho que teve em Jogos anteriores, repórteres e até turistas estrangeiros têm a entrada proibida no Tibete.

- Pedimos aos chineses para promulgarem a lei sobre a mídia, e eles fizeram isso. Sabemos que a implementação desta lei não está ocorrendo de maneira perfeita, há muitas deficiências. Pedi às autoridades para implementarem a lei da mídia em sua totalidade. E insisti que isso precisa ser feito o mais rapidamente possível.

Rogge se reuniu quarta-feira com o primeiro-ministro da China, Wen Jiabao. As críticas do dirigente foram elogiadas ontem pela Associação Mundial de Jornais (WAN).

- Estamos felizes pelo presidente do COI ter reconhecido que os Jogos poderiam ficar desacreditados se se permitir que as autoridades chinesas não cumpram suas promessas de avançar na questão dos direitos humanos - disse o presidente da WAM, Timothy Balding.

Pequim acusou o golpe. O porta-voz do Ministério do Exterior, Jiang Yu, insinuou que as incursões do presidente do COI na seara política vão de encontro aos princípios esportivos:

- Acredito que os dirigentes do COI respaldam os Jogos Olímpicos e aceitam a carta olímpica, que estipula que fatores políticos irrelevantes não sejam considerados. Espero que os dirigentes do COI continuem aderindo aos princípios da carta olímpica.

A China sofreu novas derrotas ao longo do dia. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, declarou ontem que, provavelmente, não poderá comparecer à cerimônia de abertura dos Jogos. A desculpa oficial, divulgada pela porta-voz da ONU, Marie Okabe, foram "problemas de agenda".

O Parlamento Europeu também decidiu ontem exortar os líderes dos 27 países da União Européia a tomarem uma decisão conjunta em relação à abertura dos Jogos, sugerindo um boicote ao evento caso Pequim não dialogue com o Dalai Lama. Ontem, o presidente da Polônia, Lech Kaczynski, disse que não irá à cerimônia. A tocha olímpica chegou ontem a Buenos Aires e desfila hoje pela capital argentina.