Título: Base e oposição fazem jogo eleitoral com Previdência
Autor: Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 12/04/2008, O País, p. 11

Especialistas criticam fim do fator previdenciário e a atuação de PSDB e DEM, mas esperam que Câmara mude decisão.

BRASÍLIA. A aprovação do projeto que acaba com o fator previdenciário como cálculo das aposentadorias concedidas pelo INSS, com votos do PSDB e do DEM no Senado, foi criticada ontem por governistas, especialistas e por ex-integrantes do governo Fernando Henrique. O fator previdenciário foi criado em 1998 pela equipe do ex-presidente tucano com o objetivo de desestimular e limitar as aposentadorias precoces e conter o déficit da Previdência. Ministro da Previdência no governo de Fernando Henrique, José Cechin alertou que os projetos aprovados pelo Senado e que agora estão em discussão na Câmara significam uma "contra-reforma da Previdência". Os deputados não deverão confirmar a mudança.

Na verdade, tanto governistas como oposicionistas avaliam que as propostas foram aprovadas no Senado com a convicção de que a Câmara deverá mudá-las ou rejeitá-las, e que a discussão levará meses.

- Foram as conjunturas eleitorais, que infelizmente estão acima das políticas públicas - resumiu o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), sobre o comportamento da oposição, mesmo tendo feito um acordo que permitiu a aprovação dos projetos.

A líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), criticou a oposição, mas admitiu que há um mal-estar no governo já que são propostas de petistas.

- Foi uma incoerência total da oposição, mas saí do plenário porque o projeto era do senador Paim. Não vejo possibilidade de aprovação na Câmara do fim do fator previdenciário.

O líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), defenderá que o partido mantenha a bandeira da responsabilidade fiscal:

- A responsabilidade de gestão é do governo. Ainda vamos analisar, mas lembro que custou muito fazer essas medidas (no governo passado) e então acho que devemos manter nossa postura de responsabilidade fiscal, que é nossa marca.

- Se o governo era contra, por que o líder Jucá encaminhou a favor? Temos que esperar o governo se manifestar sobre o impacto financeiro - disse o presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ).

Além do fim do fator previdenciário, os senadores aprovaram, no mesmo dia, proposta de dar a todos os aposentados reajuste de 9,2%, e não 5% como decidiu o governo. Idealizadora do modelo de fator previdenciário no governo passado, quando era secretária de Previdência Complementar, Solange Vieira, hoje presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), disse que a proposta é uma "perda para a sociedade".

Projetos são de autoria do senador petista Paulo Paim

Os dois projetos são de autoria do senador petista Paulo Paim (RS) e foram aprovados, contra a vontade do Planalto, numa operação da oposição para impor uma derrota política ao governo. Agora, na Câmara, o PSDB e o DEM sinalizam que devem recuar e adotar postura mais cautelosa em relação ao fim do fator previdenciário. O comportamento, principalmente dos tucanos, deverá ser questionado em reunião do PSDB e do DEM, segunda-feira, em São Paulo.

Cechin disse que o fim do fator previdenciário, se confirmado pela Câmara, terá grande impacto financeiro, mas a Previdência não fez cálculos. Lembrou que o fator serve para reduzir o benefício final da pessoa que quer se aposentar pelo tempo de contribuição, o que a leva a permanecer trabalhando por mais tempo para ganhar mais. Ele acredita que o número de aposentadorias por tempo de contribuição - mais de 200 mil em 2007 - crescerá sem o fator:

- Com essas medidas, o déficit da Previdência vai dar um salto grande. A cavalgada será rápida - disse, estimando em até 300 mil aposentadorias por ano, sem essas limitações.

Chechin evitou, no entanto, criticar os tucanos:

- Se parlamentares da base propuseram isso, cabe à oposição derrubar?

Segundo o ex-ministro, estender o aumento do salário mínimo para todas as aposentadorias provocará um impacto de R$5,7 bilhões em 12 meses. A Previdência fala em R$4,5 bilhões em 12 meses e R$3,5 bilhões se fosse adotada já em 2008. O mínimo foi elevado em 9,2% este ano. Os ex-ministro alerta que só é possível discutir o fim do fator junto a uma regra substitutiva, mas rigorosa. Paim apresentou proposta de emenda constitucional criando novas regras, com idade mínima de 60 anos (para homem) e 55 (para a mulher), ao fim do processo.

- Uma regra dessas atenua, mas para mim continua sendo uma contra-reforma - disse Cechin.

Marcelo Caetano, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), diz que o fator foi criado para estimular as pessoas a ficarem mais tempo na ativa e, com isso, engordarem o valor da aposentadoria. Mas considera que pode não ter cumprido seu papel:

- Na realidade, constata-se que o efeito é pequeno porque as pessoas pedem aposentadoria logo que completam requisitos para requerer o benefício.