Título: A dengue também dói no bolso
Autor: Merola, Ediane; Magalhães, Luiz Ernesto
Fonte: O Globo, 12/04/2008, Rio, p. 14

Estado perde, em 3 meses, R$19,6 milhões com os dias improdutivos dos doentes.

Aepidemia de dengue no Estado do Rio, que já causou a morte de 85 pessoas, não pára de fazer estragos. Desta vez, o alvo é a economia fluminense, que somente nos três primeiros meses do ano (de 1º de janeiro a 31 de março) perdeu cerca de R$19,604 milhões com os dias improdutivos dos 74.296 habitantes infectados pela doença. No mesmo período, a perda média diária foi de R$215 mil para o estado. A estimativa foi feita a pedido do GLOBO pelo economista Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec-RJ. Ele levou em consideração que cada paciente de dengue fica seis dias sem poder trabalhar (no caso de menores de idade ou idosos infectados, ele observa que pelo menos um adulto se afasta da empresa para cuidar do doente).

Braga usou como base para a estimativa o PIB diário por habitante do estado, de R$43,98, uma vez que este índice não faz segregação por idade nem leva em consideração se a pessoa é produtiva ou não:

- É uma medida estatística que relaciona o valor econômico do Estado com a sua população residente.

O professor utilizou os dados oficiais consolidados de janeiro a março, até quarta-feira passada, pela Secretaria estadual de Saúde. Mas Gilberto Braga ressalva:

- A simulação considerou somente os casos notificados. Se for considerado que nem todos os casos são computados, as perdas podem ser ainda mais expressivas.

Pobres são os mais afetados

O economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), diz que, além da perda no PIB, a epidemia provoca um estrago maior, no que se refere aos indicadores de pobreza, que não foram calculados.

- A dengue afeta mais os pobres, que geralmente trabalham por conta própria. Se ele fica acamado, não bota dinheiro em casa, e a tragédia contamina toda a família. As consequências sociais são sérias. Ele não tem plano de saúde, não tem reservas e ainda tem que gastar com remédios. O cara não tem nem o que comer - disse Neri, acrescentando que estudos na America Latina já demonstraram que muitas pessoas entram na faixa de pobreza por motivo de doença.

Entre os prejuízos ainda não quantificados estão gastos da rede pública de saúde para atender aos pacientes: milhares de hemogramas e radiografias para descartar outras viroses (como pneumonias) e a imobilização de leitos de UTI e medicamentos. O presidente da Comissão de Saúde da Câmara de Vereadores, Carlos Eduardo (PSB), diz que em situações normais hospitais do porte do Souza Aguiar (Centro), Miguel Couto (Gávea) e Salgado Filho (Méier) custam de R$4,5 milhões a R$6 milhões por mês. Os investimentos nas emergências devido à epidemia podem até dobrar.

- Existem gastos indiretos. Muitos, isoladamente, são de pouco valor; mas, somados, se tornam significativos. O uso mais intenso de equipamentos exige mais gastos com manutenção. Mais pacientes representam um número maior de trocas de fronhas e lençóis dos leitos: paga-se mais em lavanderia - disse.

O curioso é que no dia-a-dia muitas vezes o prejuízo acaba diluído e nem sempre é perceptível por comprometer pouco a qualidade dos serviços, já que os afastamentos não são simultâneos. A regra vale tanto para o setor privado - por exemplo, uma empresa de ônibus de Jacarepaguá, uma das áreas mais atingidas pela epidemia, só registrou dez ausências por causa da doença -, como para os órgãos públicos. Na Guarda Municipal, dos 6.108 funcionários, 114 (pouco mais de 2%) tiveram dengue. Deste total, 30 trabalhavam na organização do trânsito do Rio. Um efetivo pequeno levando-se em conta que o Batalhão de Trânsito tem hoje mil agentes.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Hoteleira (ABIH), Alfredo Lopes, disse que ainda não dá para fechar, por exemplo, a conta do prejuízo que a epidemia provocou para a imagem da cidade:

- Nós teríamos que somar toda centimetragem de notícias de jornais e tempo de reportagens de TV dedicadas à epidemia no Rio. E essa divulgação negativa ainda não terminou.

A primeira preocupação é com o feriado de Tiradentes. O setor pretende investir nos próximos dias R$500 mil numa campanha publicitária para tentar atrair visitantes de Belo Horizonte e São Paulo.

- Vamos pedir também à Embratur apoio para uma campanha nos EUA e Europa para minimizar os efeitos da epidemia - disse Lopes.

O prejuízo com a epidemia supera os R$12 milhões que a prefeitura deixou de investir em 2005 em campanhas de prevenção e compras de insumos para combater focos da doença, como o Tribunal de Contas do Município revelou em janeiro. Deste total, a metade não foi gasta. Os R$6 milhões restantes, segundo o TCM, foram desviados para outras finalidades, como limpar os hospitais. A conta supera inclusive os gastos que a prefeitura vem tendo desde 2002 para reformar estruturas já existentes e na construção da nova emergência do Hospital Miguel Couto. O investimento total chega a R$16,1 milhões segundo a Secretaria de Obras.